Destaco aqui duas matérias publicadas no Jornal Folha de São Paulo. Se antes tínhamos que nos contentar com notícias na Folha Online, Estadão Online, e etc, aonde a maioria delas era uma simples tradução ou cópia da BBC, Reutters e etc, agora temos um pouco mais de notoriedade em matérias editadas por bons jornalistas.
Tudo bem que não são matérias explicando a Armênia, a cultura e história , mas pelo menos temos uma certa conquista de espaço em matérias cotidianas. Vale a pena gastar uns minutos lendo.
A primeira foi publicada no dia 14/05/2009, por Janaina Melo na coluna Comida do caderno Ilustrada da Folha.
A melhor da esfiha.
Onipresente nos restaurantes árabes, esfiha fechada de carne é avaliada em dez casas paulistanas.
Olinda Isper tinha 12 anos quando começou a ajudar a mãe a fazer esfihas. Recheava os círculos e fechava, minuciosamente, um a um. Levou anos até que a tarefa de fazer também a massa fosse confiada a ela. Hoje, aos 48, é ainda Olinda quem cuida das esfihas. Não as da casa da mãe, mas as servidas no Tenda do Nilo, no Paraíso.No início do restaurante, tocado por ela e pela irmã, Xmune, os salgados eram feitos na hora. À medida que o movimento começou a aumentar, ficou inviável dar conta da tarefa num espaço tão diminuto, ainda mais com a assumida “mania de perfeição” de Olinda.”Toda comida daqui é feita pela Xmune. Só as esfihas são minhas, faço em casa e trago. Vou ser sincera, sou neurótica. Demoro muito. Tem gente que brinca e fala que eu pego a régua e o compasso para medir, porque são sempre iguais, do mesmo tamanho, com o mesmo formato”, diz Olinda.A esfiha do Tenda do Nilo foi a mais bem avaliada em degustação feita pela reportagem da Folha em dez casas de comida árabe paulistanas. Em todas, foi provada apenas a versão fechada e recheada com carne.
O que faz diferença?
Grande inimiga das esfihas, a terrível estufa -capaz de deixar o salgado ressecado e numa temperatura abaixo da ideal- não é problema no Tenda do Nilo. Lá, elas são aquecidas na hora, num forno elétrico.Mas está na carne o grande diferencial do salgado. Tem tomate e também cebola, como as demais, mas numa proporção tão pequena que o sabor da carne predomina e casa perfeitamente com um toque de canela.”Aqui, as pessoas associam canela a doce. No Líbano, usa-se muita canela na comida salgada. Ela chama a atenção, tem um adocicado que combina. “No Líbano, diz Olinda, a esfiha mais famosa e saborosa é a de Baalbeck. Assim, o melhor elogio que ela pode receber é ter seus salgados comparados aos de Baalbeck. “Só que lá, não se faz esfiha fechada, só aberta”, diz Olinda.
Direto do forno a lenha
Na armênia Casa Garabed, em Santana, as esfihas também não padecem na estufa. Modeladas no momento em que são pedidas, passam rapidamente por um enorme forno a lenha da época em que o pai do atual proprietário, Roberto Deyrmendjian, 51, chegava a assar 10 mil esfihas num sábado.Se hoje o cliente se senta, pede o salgado e espera alguns minutos para ele ficar pronto, nem sempre foi assim. Nos primórdios da Casa Garabed, fundada em 1951, os clientes armênios se encarregavam de levar o recheio de suas esfihas. “Vinham de manhã, deixavam o recheio, de carne ou queijo, e voltavam na hora marcada para buscá-las”, conta Roberto. “Tudo, exceto o recheio, era por nossa conta. Com o tempo, as pessoas que não eram da colônia queriam comer e não sabiam fazer. Foi quando meu pai começou a vender a esfiha pronta. “O traço de identidade armênio, segundo Roberto, vem de elementos como a hortelã acrescida ao recheio. E a carne, limpa e moída no próprio restaurante, recebe sempre a mesma proporção de gordura.Gordura? Sim, uma boa esfiha precisa levar um pouco de gordura -alguns põem também um bocado de manteiga. Esse é um dos fatores que faz o recheio ficar úmido.”As pessoas querem caprichar e compram carne de primeira. Aí é que está o problema. Precisa ter gordura. Se coloco patinho ou um corte sem gordura, a carne encolhe, e a massa fica dura”, diz a chef Leila Kuczynski, 55, do Arabia. Outra grande dica, segundo Leila, é a temperatura do forno. “O problema é que o doméstico não atinge 300ºC, e a esfiha, originalmente, é feita em fornos de pizza, a lenha.”
A Segunda matéria é de Mariana Barros e foi publicada no dia 16/05/2009 no caderno Cotidiano da Folha de S. Paulo.
Multicultural, Bom Retiro tem 215 opções de patrimônio.
Iphan escolhe no 2º semestre a expressão cultural mais representativa da regiãoDistrito, onde há imigrantes de diversas origens, foi escolhido pela diversidade; será o primeiro patrimônio imaterial da cidade de SP.
A dança tradicional coreana, a feira boliviana Kantuta e a procissão grega de Sexta-Feira Santa estão entre as 215 expressões culturais do Bom Retiro (centro de SP) candidatas a virar patrimônio nacional. O Iphan, órgão federal de preservação do patrimônio, elegerá no segundo semestre a principal expressão cultural do distrito, que se tornará patrimônio cultural imaterial. A cidade de São Paulo não possui nenhum bem nessa categoria, que abrange tudo o que não é palpável e que tem importância histórica, como festas, técnicas e receitas culinárias.Entre os 15 bens imateriais já registrados pelo Iphan, estão a celebração do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém, o frevo pernambucano e o modo das baianas de fazer acarajé. A diversidade cultural do Bom Retiro, onde convivem famílias de imigrantes italianos, poloneses, gregos, húngaros, búlgaros, armênios, coreanos, bolivianos e paraguaios, colocará SP nesse mapa cultural. O levantamento sobre o distrito, iniciado em 2004 e concluído neste ano, será divulgado em formato de CD-ROM no segundo semestre. “A partir do inventário, faremos a escolha do bem mais representativo”, afirma Simone Toji, técnica do Iphan responsável pelo estudo.Segundo ela, é preciso que o órgão eleja apenas uma das manifestações, porque dificilmente a região como um todo poderia ser preservada. “Em um amplo território, nossa [do Iphan] preservação do patrimônio é insuficiente”, explica.De acordo com Simone, integram o levantamento do Bom Retiro mais de 60 edificações consideradas símbolos do multiculturalismo local, como a igreja ortodoxa grega da rua Matarazzo ou o Taib (Teatro de Arte Israelita Brasileiro).
Origens:
O nascimento do bairro coincide com a criação do Jardim da Luz, em 1825. Segundo a mestranda da USP Marcela Rufato, autora de um estudo sobre os imigrantes do Bom Retiro, o local concentrava chácaras de veraneio. Depois de vendida pela prefeitura e loteada, a área foi se tornando polo industrial, fato impulsionado pela proximidade da linha ferroviária que chegava à Estação da Luz. No início do século 19, o Bom Retiro foi povoado por operários italianos, primeira leva de imigrantes a viver no local. A área, degradada pela ferrovia e pelas indústrias instaladas, oferecia moradia barata, vantagem aproveitada nas décadas seguintes por novas levas de estrangeiros que foram mudando a cara e os hábitos locais.
Preservação:
Depois que viram patrimônio, os bens passam a receber auxílio do Iphan para a manutenção de suas atividades. As baianas do acarajé, por exemplo, tiveram ajuda para formar uma associação e passaram a usar a declaração para justificar seu trabalho quando abordadas por policiais. Já o samba de roda do Recôncavo Baiano recorreu ao Iphan para reformar o edifício que virou sua sede em Santo Amaro da Purificação.
Quem chega não sai mais, afirma grego“.
Imigrante que vem, conhece e aprende português não vai outro lugar (sic)”, resume Thrassyvoulos Petrakis, o seu Trasso, ícone da comunidade grega do Bom Retiro, onde fica seu restaurante, o Acrópoles.Aos 91 anos -e há 40 no Brasil-, seu Trasso presenciou as mudanças que as diferentes levas de imigrantes levaram ao Bom Retiro: a substituição dos armarinhos mantidos por judeus por lojas de vitrines chamativas criadas por coreanos e a posterior vinda de bolivianos. Egípcios, armênios e angolanos também pertencem ao seu círculo de relações. Os primeiros judeus, vindos do Leste Europeu, estabeleceram-se no Bom Retiro de modo significativo no entre guerras e, depois que enriqueceram vendendo material de costura, migraram para Higienópolis. É lá que vivem hoje os avós de Celso Kocinas, judeus poloneses fugidos da perseguição na Europa. “Sem falar a língua local, é mais fácil vender coisas do que exercer uma profissão como médico ou advogado”, diz Kocinas, dono de uma corretora de imóveis no Bom Retiro. A barreira da língua e a oferta de trabalho também levou os coreanos ao setor de confecções. “Todos os povos prosperam no Bom Retiro”, afirma o empresário Renato Kim, que veio da Coreia em 1975 e achou trabalho costurando para patrões judeus. Em pouco tempo, sua família comprou máquinas e, em 1982, abriu uma loja na rua José Paulino. Hoje, ele e a mulher têm loja na Aimorés e moram na Aclimação.
A Casa Garabed fica na
R. José Margarido, 216
Santana – SP
Tel. (11) 2976-2750/(11) 2979-3943
Aberta de Terça à Domingo e Feriados das 12h às 21h