Enquanto o mundo celebra o anúncio de um acordo de paz entre Armênia e Azerbaijão, a realidade nas fronteiras conta outra história: sob o discurso de reconciliação, o governo de Ilham Aliyev intensifica ataques militares e impõe novas exigências, deixando claro que, para Baku, ‘paz’ significa a rendição armênia. Um mês após o anúncio que o acordo estaria pronto para ser assinado, armênios e a comunidade global se questionam: a que custo?
Desde o anúncio feito pelo primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, em 19 de março, sobre um rascunho de acordo de paz entre Armênia e Azerbaijão pronto para ser assinado, pouco avanço foi registrado. Pelo contrário, os ataques azerbaijanos às regiões fronteiriças da Armênia se intensificaram, levantando dúvidas sobre a real disposição de Baku em firmar a paz.
Pashinyan afirmou que o documento reconhece a integridade territorial mútua com base nas fronteiras das ex-repúblicas soviéticas, mas não divulgou detalhes, alimentando especulações. Críticos questionam se o acordo aborda a devolução de prisioneiros de guerra armênios detidos no Azerbaijão ou se consolida perdas territoriais após a guerra de 2020 e o êxodo de armênios de Artsakh (Nagorno-Karabakh) em 2023.
O ex-embaixador Edgar Ghazaryan duvida que o acordo seja assinado: “Aliyev não está pronto para aceitá-lo sem condições extras, muitas delas fora do marco legal internacional”. Ghazaryan alerta que, mesmo se firmado, o documento não garante paz duradoura, citando as 17 novas exigências de Baku, que incluem mudanças na Constituição armênia.
Enquanto líderes globais celebram o anúncio do acordo, o Azerbaijão segue com retórica belicosa. O governo de Ilham Aliyev acusa a Armênia de preparar ataques (alegação negada por observadores europeus) e impõe condições como: fim das missões de monitoramento da União Européia na fronteira; Limitação do armamento armênio; Extinção do Grupo de Minsk (OSCE); Supressão de “tendências revanchistas” na Armênia.
Analistas veem nisso uma tática para manter a pressão. “Aliyev teme que a paz permita à Armênia se reerguer militar e economicamente, equilibrando o jogo na região”, diz um trecho da análise.
A sociedade armênia está dividida. Para a ativista de direitos humanos Nina Karapetyants, “todos querem paz, mas não à custa da soberania”. Já a escritora Ruzan Asatryan chama o acordo de “utopia perigosa”, argumentando que Baku busca capitulação, não coexistência.
O governo insiste que o texto não cede corredores (como o de Zangezur) e mantém a soberania armênia sobre suas rotas. O chanceler Ararat Mirzoyan afirmou que o acordo prevê mecanismos para resolver disputas futuras, mas evitou detalhes sensíveis.
Em meio à crise, o parlamento armênio aprovou em 26 de março um projeto para iniciar o processo de adesão à UE, sinalizando afastamento de Moscou. A UE elogiou o passo, mas o caminho é longo e incerto.
Enquanto Pashinyan aposta todas suas fichas em um acordo para encerrar décadas de conflito (e parece estar disposto a abrir mão de muitas garantias armênias pra isso), o Azerbaijão parece mais interessado em consolidar ganhos via pressão militar e política. A ausência de transparência sobre os termos do acordo e as contínuas agressões nas fronteiras deixam a paz no Cáucaso Sul tão distante quanto nunca.