Por Artsvi Bakhchinian, para o azg.am
Artsvi Bakhchinian (nascido em 1971 em Erevan) é pesquisador, crítico de cinema, tradutor e doutor em Filologia pelo Instituto de Literatura da Academia de Ciências da República da Armênia, onde ocupa desde 2009 o posto de pesquisador do Instituto de História. O intelectual é autor de diversos títulos em armênio e inglês, incluindo obras que versam sobre cinema, dança, música, história da Armênia e dos armênios, além da relação entre seu país e a Suécia, onde viveu por anos. Dr. Bakhchinian é colaborador do Programa de verão de Língua e Cultura Armênia, promovido anualmente pela Associação Cultural Padus-Araxes e seu presidente, arcebispo Boghos Levon Zekiyan,em Veneza, Itália.
O governo soviético sempre teve simpatia, tanto política, quanto culturalmente, pelas lutas de libertação na África. Este fato refletiu-se nas obras de arte produzidas nas diferentes repúblicas soviéticas, e a Armênia não foi exceção. Assim, o filme do renomado cineasta A. Danielian, “Os primeiros raios” foi pioneiro em exibir em 1930, um ator negro como personagem principal.
Na encantadora ópera infantil de Der Ghevontian, “Sol fulgurante”, o herói é o negro Berberon, que vai à Rússia, onde adquire “pátria verdadeira, liberdade e felicidade”.
Em 1956, os cineastas do Cinema Armênio, Stepan Kevorkian e Erasmus Melik-Karamian, adaptaram para a tela o romance “Ambrobi arahedov” (O Caminho do Trovão) – “The Path of Thunder” – do escritor inglês da África do Sul, Peter Henry Abrahams. É uma triste história de amor entre uma jovem branca e um rapaz negro. Obra antirracista, escrita em 1948, obteve na época, grande popularidade na União Soviética. Curiosamente, dois anos depois da representação cinematográfica armênia, o compositor azeri Kara Karayev criou um balé de mesmo nome, baseado nesta obra.
O escritor sul-africano, jornalista e comentarista político Peter Abrahams, ainda vive. Neste ano, completou 97 anos. Não se sabe se ele assistiu à versão cinematográfica de seu romance, escrito há sessenta anos, num pequeno estúdio de cinema da União Soviética. “O Caminho do Trovão” permanecerá como um fenômeno curioso na história da cinematografia armênia. Apesar das opiniões divergentes, é hoje muito considerado por atores famosos de teatro e cinema armênios, personalidades como Hratchia Nercessian e Kurken Janibekian, graças às suas brilhantes atuações.
Evidentemente, não era comum para o pensamento armênio da época de 1950, representar pelo cinema, obras sobre a luta fraterna africana, em ambiente que se adequasse ao da realidade armênia. Como declarou o primeiro historiador do cinema armênio Daniel Tznunin, “para os cenógrafos, o problema maior era criar um vilarejo de mulatos no meio da natureza”.
No entanto, eis que na estrada de Ashtarag, a 20 km. de Erevan, num vale rochoso, foram construídas no subsolo, casas, lojas, igreja… Na praça do vilarejo, levanta-se uma densa poeira; balançam alguns poucos cactos e palmeiras, como os da África do Sul; decorações temporárias, com desenhos de casebres distantes e sem vida: toda uma paisagem africana. Os holofotes esparramam luzes sobre o vilarejo. O equipamento cinematográfico, sobre trilhos, move-se para a área da praça. A estrada de Ashtarag fica lotada por centenas de pessoas surpresas, que assistem aquela inusitada paisagem rural, com pessoas de cor em animada balbúrdia.
Eis, pois, o ator Tito Romalin (sic) da República Sul Africana, o primeiro a levar na sua mão a tocha, recorrendo ao apelo dos mulatos: – “Não se deve calar, é preciso agir” … Milhares de tochas balançam no ar, e a multidão emocionada dirige-se a “Mer Dun” (Nossa Casa). (Vide T. M. Tznunin, “Esboço histórico da Cinematografia Armênia”) (Urvakidz Hayasdani Guinematografiaí Badmutian), Erevan, Haybedrad, 1961, p.128-129.
Na verdade, o ator citado não é sul-africano, mas nasceu no Brasil e seu sobrenome é Romalio. No filme “O Caminho do Trovão”, ele atuou no destacado papel do Prof. Mago. Tznunin escreve, também, que neste filme não há atuação frágil; é importante notar que “O discurso do negro Mago, numa conferência de paz, tem caráter demolidor e sem emocionalismo; ao invés, contém o vigor que o espectador tem o direito de esperar de seus autores” (Idem, p.129).
Então, quem foi este Tito Romalio, cujo discurso que pronunciou, não satisfez aos cineastas armênios? Talvez porque não tenha sido ator, mas um dos inúmeros negros que, na década de 1950, estudaram e trabalharam no Terceiro Mundo, onde as portas estavam abertas, antes das da União Soviética.
As investigações esclareceram que Tito Romalio nasceu em 1923, no Brasil, e no início de 1930, mudou-se para a União Soviética, onde recebeu educação russa, casou-se com uma russa e estabeleceu-se em Leningrado.
Nos anos 1950, destacou-se como cantor pop e ator de cinema, tendo atuado em papéis secundários e episódicos, nos filmes “As aventuras de Artiomká” em 1956, “O Chefe de Tchukotká” em 1966, e “Sol Negro” em 1970. Teve filhos gêmeos: Tito Evfalio Maritsa José e Mikail Romalio. Tito Romalio Junior (1951-2010) seguiu o rumo do pai, desde a infância, atuando em filmes de aventuras e anti-imperialistas soviéticos, nos papéis de negros. Aos cinco anos, estreou com o pai no filme “Aventuras de Artiomka”, e aos onze anos, representou com seu irmão, um papel de destaque no filme “Alô, Crianças”, sob a direção do famoso diretor de cinema Mark Donskoy. A propósito, neste filme, quem atuou no papel de médico francês, foi Kegham Voskian (1915-1977), renomado artista do teatro musical armênio Baronian, em Erevan.
Tito Romalio Júnior representou, ainda, papéis menores nos filmes “O Homem anfíbio”, “A Ilha dos navios naufragrados”, “O Testamento do Prof. Dowell”, “O Americano Jack Vosmiorkin” e outros filmes.
Este ator, cujos amigos íntimos o chamavam de “Tit, Tititch”, teve um fim trágico. Numa rua de sua cidade natal, São Petersburgo, foi morto por espancamento, por causa da cor de sua pele. Por ironia do destino, filho do ator do filme armênio antirracista “Ambrobi arahedâ” (O Caminho do Trovão), foi justamente vítima de racismo, embora amigo do povo e defensor da justiça de sua própria cidade, a segunda maior da Rússia, onde continua vivendo o ocaso de sua vida, aos 93 anos de idade, Tito Romalio Senior, o pai…
Tradução: Sossi Amiralian, doutora em Letras
Texto Original: armênio oriental
Autor: Artsvi Bakhchinian, Erevan, filólogo e crítico de cinema