Pablo Kendikian concedeu uma entrevista recentemente por Skype, desde sua casa em Buenos Aires, Argentina, com o pessoal do Enlace Judio. O jornalista, que também é diretor da Agência de Notícias Prensa Armênia, adverte em relação ao rumo que está tomando Turquia, e os possíveis cenários que podemos ver no futuro neste país.
Tradução: Adriana Nazeli Topalian
Enlace Judío: O que quer Fethullah Gülen para Turquia, una virada democrática, ou um califado islâmico?
Pablo Kendikian: Com certeza o que ele pretende para Turquia é um califado, ao estilo do Império Otomano. O princípio sobre o qual se criou o movimento é a ideia do retorno ao Império Otomano, com mudanças. A população turca sente orgulho desse período.
EJ: Qual é a diferença entre os ideais de Erdogan e Gülen?
PK: Eles juntos se propuseram abolir o estado laico-secular que tinha sido estabelecido por Kemal Ataturk; as forças armadas turcas eram os guardiães desse Estado criado por Ataturk, e com Erdogan se propuseram desarticulá-lo aos poucos, progressivamente. Nessa época houve muitas purgas, houve uma estratégia muito bem pensada e bem sucedida, durante a qual foram presos oponentes políticos, intelectuais, e basicamente se mudou a estrutura das Forças Armadas Turcas. Associaram-se no ano 2000, quando Erdogan era governador de Istambul, e Gülen um clérigo importante, mas desconhecido para o mundo.
Toda vez que houve uma tentativa de mudar a estrutura secular de Turquia, os militares agiram e organizaram um golpe de estado: isso aconteceu em 4 oportunidades. Gülen fornecia a Erdogan votantes, porque tinha um movimento importante, numericamente, e Erdogan lhe dava proteção. Além disso havia um acordo para que Gülen tivesse muitos dos seus seguidores dentro dessa nova estrutura do Estado que se estava formando. Principalmente queria incluir pessoas na polícia, nas forças de segurança, no judiciário, e nos lugares chaves da estrutura do estado turco.
EJ: Quais foram as causas do afastamento entre Erdogan e Gülen?
PK: Uma vez atingido o objetivo de eliminar a estrutura laica do Estado, o problema fundamental entre eles foi uma briga de poderes. O primeiro atrito entre ambos foi durante a Primavera Árabe, Erdogan quis aproveitar o momento, deu as costas a Israel, e quis liderar as revolucões nos países árabes, quando a Irmandade Muçulmana tomou o poder no Egito. Também em 2010, com o envio do Mavi Marmara à Faixa de Gaza, Gülen questionou a Erdogan por ter enviado a frota a Gaza. Erdogan não teve sorte ao querer liderar esses movimentos da Primavera Árabe, mas as relações com Israel já tinham sido rompidas. Melhoraram só faz 4 semanas.
A partir da ruptura, Erdogan foi vítima das operações que Gülen fez a través dos seus infiltrados dentro das forças de segurança e de inteligência. Gülen começou a divulgar documentos que comprometiam seriamente a Erdogan, em relação à corrupção, e em relação ao envio de tropas a Síria. Também fotos que comprometiam e incriminavam Erdogan foram publicadas na mídia que pertence a Gülen. No final de 2013, se filtrou um diálogo entre Erdogan e seu filho Bilal, na qual falavam de um dinheiro de uma venda de ouro. Erdogan tentou desvincular-se disso. A partir desse momento não perdoou Gülen, mesmo sabendo da importância do movimento de Gülen. É como se chegasse um divórcio após um casamento por conveniência. Gülen tem o apoio da CIA nos Estados Unidos.
EJ: Foi um autogolpe?
PK: É difícil analisar isso: se bem é verdade que há setores que simpatizam com Gülen, o problema é que dentro das forças armadas acredito que não tem muitos simpatizantes como para poder dar este golpe. Porém, Erdogan aproveitou o golpe, e agora está fazendo uma purga importante dentro do governo e das forças armadas.
EJ: Se não foi autogolpe ou Gülen, qual é a terceira força detrás desta tentativa de golpe?
PK: O golpe não teve muito apoio popular, e houve muitos erros na tentativa. Não há nomes importantes dentre os acusados do exército. Acredito que foi um movimento interno do exército, e lhes tinham prometido algum tipo de apoio, que depois foi retirado e por isso não funcionou. Parece-me uma típica operação dos serviços de inteligência. Talvez a inteligência apoiou a tentativa, mas depois retirou seu apoio e os golpistas ficaram isolados e tiveram que render-se.
EJ: Qual é o contexto da relação do filho de Erdogan, Bilal, e sua relação com ISIS? E com Israel?
PK: Fala-se de que empresas relacionadas com Bilal Erdogan, compram petróleo para o ISIS, de fato, não se sabe se isto é real ou não.
EJ: Por quê Erdogan rompeu com Israel? É questão de ego, um fator econômico ou de liderança regional?
PK: Penso que é uma situação de ego e de poder regional. Depois da Primavera Árabe, Erdogan quis liderar os países árabes. Por isso também tem una disputa com Irã. Nem Turquia nem Irã são árabes, mas tentam liderar.
Nesse momento, Israel estava considerando o reconhecimento do Genocídio Armênio, me parece que foi a moeda de troca para voltarem a ter relações. Se bem é verdade que a maioria da sociedade israelense, e os intelectuais em Israel, são a favor do reconhecimento do Genocídio Armênio, o governo não é a favor, por conveniência. Se estava negociando a questão do reconhecimento do genocídio este mês, mas foi retomada a amizade diplomática entre Israel e Turquia, aquela que se tinha rompido em 2010.
EJ: Por quê Erdogan decide retomar as relações com Israel, só faz 3 semanas?
PK: Porque percebeu que sua política anterior não funcionou. Acreditou que recuou, se desculpou e seguiram adiante como se nada tivesse acontecido. Mesmo Erdogan falando mal de Israel e dos Estados Unidos, ele está querendo iniciar uma relação diferente, em relação à política exterior. No meio de tudo isso, houve a tentativa de golpe de estado, e parece que, em decorrência disso, a Turquia deixará de se preocupar pelo tema de Síria, e se preocupará mais por questões internas da Turquia.
EJ: Vai se islamizar mais Turquia?
PK: Hoje a Turquia não é mais um estado laico, é um estado islâmico. O que acontece agora, é que quem lidera os países islâmicos? Irã e Turquia são líderes importantes, e tentaram ser líderes, por temas econômicos e políticos.
Considero que falta a última etapa para islamizar Turquia. O objetivo de Erdogan e Gülen já praticamente esta cumprido, mas não acho que saiam a apoiar radicais islâmicos abertamente. Essa também não é a ideologia deles.
EJ: Esta aparente falta de condenação de Erdogan ao ISIS e ao Islã radical, faz parte duma estratégia? A Erdogan lhe convém que haja tanto desequilíbrio econômico e político na região?
PK: É muito difícil saber isso. Erdogan pensa que com isso sai ganhando, porque conseguiu desestabilizar a Síria. Em algum momento ele foi acusado de se aproximar do ISIS, e conseguiu se sair bem disso. A partir desse momento o ISIS se infiltrou na Turquia.
Na entrevista, Kendikian também explicou a precária situação na qual se encontram as minorias que vivem na Turquia, entre elas os judeus, os armênios, e muito especialmente, os curdos, por causa da exacerbação das tendências nacionalistas, após a tentativa do golpe.
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