Entre os dias 01 e 14 de setembro acontece a 42ª edição da Olimpíada Mundial de Xadrez que este ano acontece em Baku, capital do Azerbaijão.
Os armênios, que têm em sua tradição grandes enxadristas, entre eles campeão mundial Tigran Petrosian (considerado um dos melhores jogadores de xadrez do mundo de todos os tempos) sempre se recusaram a participar de eventos naquele país, principalmente devido à recente situação de guerra (cessar-fogo de 1994) entre o Azerbaijão e a República Independente de Nagorno Karabakh, esta última habitada por armênios.
O enxadrista Grande Mestre Krikor Sevag Mekhitarian é brasileiro com ascendência armênia e já se consagrou campeão de diversos torneios, tanto à nível nacional quanto internacional, além de ser o atual Campeão Brasileiro Absoluto. Devido ao seu ótimo desempenho nos últimos anos, Krikor foi convidado pela delegação brasileira a participar da Olimpíada.
Apesar de honrado pelo convite, em respeito às suas origens Krikor desistiu do convite, assim como outros grandes enxadristas armênios também o fizeram desde as primeiras edições de torneios internacionais de xadrez realizados no Azerbaijão.
Em um comunicado na sua página no Facebook, o multi-campeão Krikor anunciou que não irá integrar a equipe brasileira na 42ª Olimpíada Mundial de Xadrez que acontece em Baku. A decisão de Krikor Sevag foi tomada com muita dor no coração, conforme suas palavras, mas foi movida pela conscientização de que o Azerbaijão cultiva um discurso de ódio contra os armênios, país de origem de sua família e cujas raízes estão presentes até hoje na sua formação.
O Azerbaijão vem violando o cessar-fogo com a República Independente de Nagorno Karabakh (Artsakh), habitada majoritariamente por armênios, desde 1994 quando a comunidade internacional mediou um acordo que garantiu a presença armênia em Karabagh. São milhares de ataques que já custaram a vida de centenas de jovens soldados armênios que defendem as nossas fronteiras. Além disso o governo do Azerbaijão incita o ódio aos armênios com declarações xenófobas de seus membros.
Nas últimas semanas, em um jogo das eliminatórias da Liga Europa, o Borussia Dortumund não levou o craque armênio Henrik Mkhitaryan para Baku temendo a violência local contra os armênios.
Confira o comunicado de Krikor, abaixo:
Em meados de março, recebi pela quarta vez consecutiva o convite para compor a equipe olímpica do Brasil para a 42ª Olimpíada Mundial de Xadrez, que será jogada em Baku, no Azerbaijão, de 1 a 14 de setembro de 2016.
Representar o Brasil nas Olimpíadas sempre foi uma das minhas metas profissionais mais importantes. Ser um dos cinco integrantes que cruzam o mundo para representar o país é uma sensação única, e esse sonho foi realizado em 2010, 2012 e 2014.
Meu desejo era continuar participando, e em 2016 não seria diferente se o local da competição não fosse o Azerbaijão, país que trava uma longa guerra contra a Armênia por causa da disputa de um território. O presidente azerbaijano frequentemente demonstra e incentiva hostilidades contra o povo armênio. Em 2012, por exemplo, um soldado azerbaijano que havia sido condenado à prisão perpétua por assassinar um tenente armênio fora de zona de conflito (durante um congresso em Budapest) teve o seu perdão concedido pelo presidente, além de receber uma promoção e um apartamento – ele foi transformado em herói nacional. Esse ato foi fortemente repudiado pela comunidade internacional.
A relação entre os países é tão complicada que, por exemplo, nunca um enxadrista armênio participou do Baku Open, que já está na 12ª edição e é um dos abertos mais fortes do circuito europeu.
Essa carta não é um discurso de ódio, mas a justificativa de uma decisão que tomei e que acredito ser a melhor para mim e para a equipe na presente situação. Eu não conseguiria ficar à vontade, sabendo que as coisas funcionam assim naquele país.
É com aperto no coração que abro mão de fazer parte da equipe olímpica brasileira deste ano – quem me conhece sabe que jogar xadrez é o que eu mais gosto de fazer na vida. Minha consciência e minha origem, porém, não me permitem competir em um país que tanto cultiva o ódio contra o país da minha família. Por isso, neste ano, serei apenas mais um torcedor por um grande resultado da nossa equipe olímpica nacional.
Krikor Sevag se coloca como um ardoso torcedor de sua equipe e torce para os enxadristas brasileiros mais uma vez façam bonito na competição.
Colaboração: Mauro Amaral (Árbitro Internacional de Xadrez)