Da Redação

O desaparecimento da Caligrafia Armênia

Por Nanor Froundjian

Folheando as páginas da famosa (e polêmica) Encyclopédie do século XVIII, que inclui um capítulo sobre alfabetos do mundo, Ruben Malayan se deparou com a primeira letra do alfabeto armênio, o “ayb” (Ա), sob uma luz completamente nova. Ele descreve esse momento como uma “iluminação pura”.

Alfabeto Sła’gir (Շխագիր) de Ruben Malayan na Enciclopédia Mundial de Caligrafia (FOTO: Nanor Froundjian / CivilNet)

“O tratamento dado ao ‘ayb’ naquela obra me chocou, porque eu nunca tinha visto um ‘ayb’ tão belo – e, para mim, tão incomum – já que estava acostumado ao que nos ensinavam na escola”, disse Malayan, relembrando o instante que, há cerca de 15 anos, inspirou seu estudo transformador sobre caligrafia armênia.

Desde então, esse artista visual multidisciplinar dedicou-se a dominar a arte. Seu trabalho destacou-se em publicações como The World Encyclopedia of Calligraphy, Print Lovers Magazine, EVNMAG, Alphabet e outras. Seu projeto principal é o livro Armenian Letter Culture & Calligraphy, uma empreitada monumental de documentação sobre o tema, que está em fase final de produção.

Paralelamente, ele trabalha em uma compilação manuscrita de poemas de Grigor Narekatsi, do Livro das Lamentações, reinterpretados em caligrafia.

Sua obra inacabada repousa sobre um cavalete em seu ateliê — um espaço charmoso, com paredes repletas de pôsteres e uma coleção pessoal de livros empilhados, entre os quais está a Encyclopédie, ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers. Nessa publicação francesa, o alfabeto armênio, representado em diversos estilos de escrita, ocupou duas páginas, enquanto a maioria dos outros alfabetos teve apenas uma.

(FOTO: Nanor Froundjian / CivilNet)

“Foi como um momento mágico em que percebi que havia descoberto um fragmento da minha própria cultura que eu desconhecia”, acrescentou Malayan, falando sobre seu fascínio pela caligrafia.

No entanto, o padrão da escrita à mão vem decaindo ao longo das gerações, com sua execução impecável perdendo valor e não mais recebendo a mesma reverência, exceto em círculos especializados de entusiastas.

Em 2010, ao visitar uma escola primária em Yerevan, Malayan pediu para observar uma aula e ver como as crianças aprendiam a escrever. Isso confirmou o que ele já suspeitava: “Senti que há muito espaço para melhorias”.

Para ele, o método de ensino estava aquém do necessário para inspirar proficiência. O material oferecido aos alunos era composto por letras “esqueléticas”, como ele as descreveu.

Hripsime Arakelyan, professora do ensino fundamental na Escola Abovyan Nº7, também notou uma mudança no valor atribuído à escrita à mão.

“Há muito pouca importância dada à caligrafia hoje”, disse Arakelyan, que há 12 anos ensina crianças de seis a dez anos. Tanto ela quanto Malayan reconhecem que a relevância dessa prática — tanto no meio acadêmico quanto na sociedade — continua a diminuir.

Ela explica que é uma habilidade que nem mesmo autoridades ou profissionais de alto escalão precisam dominar, perdendo assim sua influência — algo que ela atribui em grande parte à dependência excessiva da tecnologia.

Essa mudança de mentalidade também afeta os professores. Como Arakelyan, muitos acreditam que lutar pela preservação da escrita manual seria inútil, já que a digitação se tornou o padrão de comunicação.

“É uma tarefa muito trabalhosa”, disse ela, explicando que exigiria um esforço imenso dos professores garantir que 35 crianças em uma sala escrevam de forma bonita, com atenção individual em apenas 45 minutos de aula.

“Chega um momento em que pensamos: Por que nos torturar com isso se este século não exige mais das crianças?

Ela afirma que os métodos de ensino mudaram drasticamente para a nova geração. “A palavra do professor era lei para nós. Nossos pais revisavam nossos cadernos e se impressionavam com nossa letra”, lembra.

Hoje, as crianças precisam de incentivos — como pequenos prêmios — para se esforçarem na caligrafia. Sem isso, não veem motivação.

Na visão de Arakelyan, no meio acadêmico, a escrita manual não tem mais relevância. “Além de ajudar a formar o caráter do aluno, não tem utilidade agora. Perfeccionismo na caligrafia é perda de tempo para nós.”

Esse fenômeno é global. Vários estudos analisam o declínio da escrita manual e suas consequências para a saúde mental e física.

No Reino Unido, uma pesquisa recente mostrou que estudantes estão com dificuldade para segurar canetas, alertando para a perda de habilidades motoras finas e seus impactos cognitivos e sociais. Nos EUA, um estudo de 2024 revelou que 77% dos professores do pré-escolar ao 3º ano notaram que seus alunos têm mais dificuldade com lápis, canetas e tesouras do que crianças da mesma idade há cinco anos.

Embora os alunos armênios ainda usem papel e caneta nas aulas, a migração para ferramentas digitais dentro e fora das escolas evidencia os riscos.

“A individualidade é uma das primeiras coisas afetadas quando se abandona a escrita manual em favor do digital”, disse Malayan.

Ele explica que a prática ajuda a cultivar disciplina, comprometimento, persistência e foco — habilidades fundamentais para a vida. Além da técnica, o verdadeiro valor da escrita vai além da perfeição.

Ruben Malayan em Yerevan

“O que torna seu trabalho valioso não é a técnica pura, mas a estrutura estética em que você se baseia.” No caso dele, conhecimentos em poesia, mitologia e amor pela arquitetura formam essa base.

Arakelyan concorda, observando uma clara correlação entre personalidade e estilo de escrita:

“A caligrafia vem da alma; organiza os movimentos, pensamentos e palavras de uma pessoa. Se você observar a letra de uma criança, consegue identificar seu caráter.”

As mudanças que ela viu de uma geração para outra mostram que o apreço pela escrita manual e pela caligrafia está desaparecendo — e, com ele, o reconhecimento de sua representação cultural.

“É uma língua linda, que encapsula tanto a rudeza quanto a delicadeza e a luta. É a essência da nossa nação”, concluiu Arakelyan.

Fontes :
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