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“Partes de um Ciclo: a história do conflito de Karabakh” é oficialmente lançado, ASSISTA

Desde 2011, um documentário dedicado a contar a história do conflito de Nagorno-Karabakh vem sendo produzido por uma equipe de jornalistas e ativistas da Armênia, Artsakh e Azerbaijão. A proposta de “Partes de um Ciclo: A História do Conflito de Karabakh” é contar a história moderna da região e da guerra do início dos anos 90 utilizando depoimentos de autoridades envolvidas e testemunhas oculares.

A produção foi facilitada por uma organização de construção da paz com sede no Reino Unido, a Conciliation Resources. O documentário foi finalizado em 2016, e seria lançado em três filmes separados de uma hora cada. Porém, no mesmo ano as ofensivas azeris se intensificaram na zona de contato durante os “quatro dias de Abril” e os produtores decidiram cancelar o lançamento para não aumentar o clima de conflito na região.

Desde então, os produtores decidiram mudar a estratégia de lançamento do documentário, o lançamento seria gradual e discreto, ocultando seletivamente os depoimentos mais sensíveis do conflito. Um dos produtores, Laurence Broers, disse em entrevista à Eurasianet que alguns dos entrevistados do lado azeri foram presos durante esse período justamente pelo trabalho que faziam para alcançar a paz na região e eles se preocuparam em não instigar novas perseguições.

O resultado final é um documentário mais curto, resumido em um filme de 1h15 mais fácil de consumir, que foi publicado gratuitamente no último dia 15 de Abril no Vimeo apenas em inglês. Mas os produtores deixam aberta a possibilidade de um dia divulgar o material original.

O conteúdo do documentário de 2016 era certamente muito mais abrangente que o documentário que foi lançado esse ano (já que tinha o triplo de duração) e provavelmente mudaria em muitos aspectos a análise que faremos aqui considerando os depoimentos perdidos ou editados, mas temos que nos basear no que foi mostrado ao público.

“Partes de um ciclo” tem uma estética de documentário antigo, típico de televisão dos anos 90. Tem a proposta de a todo momento contrabalancear os depoimentos, extensivamente alternando entre depoimentos do lado de Artsakh/Armenia e o lado do Azerbaijão.

Talvez a principal crítica ao documentário seja a de ignorar todo o histórico dos povos locais. Entender a história da ocupação armênia de quase 3000 anos em toda a região, o impacto do Genocídio Armênio e a formação do estado do Azerbaijão são peças fundamentais e que alteram completamente o contexto da guerra pelo território. Os produtores escolheram iniciar o documentário com o declínio da União Soviética e os movimentos de independência dos países da região. É compreensível que seja necessário escolher um ponto de partida, mas a motivação para o início do conflito parece trivial e dá ao espectador a falsa impressão de que o conflito se resume a uma guerra de poder dos dois lados.

Nos seus 75 minutos, o documentário aborda praticamente todos os principais eventos entre o final dos anos 80 e os tempos atuais desde o Comitê de Karabakh, passando pela onda de nacionalismo no Azerbaijão, a influência política da União Soviética, os primeiros ataques à região de Nagorno-Karabakh, os massacres em Sumgait e Baku, as batalhas de Shushi, Khojaly e o corredor de Lachin, as invasões azeris à Karabakh e a resposta dos exército armênio e de Artsakh para retomada do território e tomada das regiões adjacentes aos dois países para fortalecimento estratégico até o tratado de cessar fogo, a formação do grupo de Minsk e as tentativas frustradas de conciliação entre os países.

Como uma ressalva importante: o documentário não deixa claro o plano azeri de sacrificar seus próprios civis em Khojaly, embora pontue que não existe lógica para as tropas armênias atacarem civis e que haviam soldados azeris armados infiltrados entre a população para atacar e confundir as tropas armênias.

Os depoimentos se alternam entre personalidades importantes que participaram dos conflitos e depoimentos de testemunhas civis. Entre eles Levon Ter Petrosyan (embora seu depoimento seja incomodamente curto), líder do Comitê de Karabakh e primeiro presidente armênio pós URSS; Ayaz Mutalibov, primeiro presidente do Azerbaijão; Ashot Gulyan, líder militar armênio durante a guerra; entre outros ministros de relações exteriores, oficiais militares e figuras chave nos conflitos.

“Partes de um Ciclo” se divide em três partes, O Caminho para a Guerra, A Guerra e Em Busca da Paz e tem uma ordem de eventos bem organizada, citando os principais conflitos da região. A quantidade de material visual coletado impressiona, embora a falta de legendas e descrições para as imagens não deixe claro quando estamos vendo de fato imagens sobre os eventos descritos e quando as imagens são apenas ilustrativas.

A recepção do documentário, como esperado, dividiu a internet. Embora o saldo final seja positivo, ambos os lados tem ressalvas sobre os acontecimentos apresentados e como foram abordados alguns temas. Os ataques em Shushi, por exemplo, foram tratado de forma bem superficial. A tomada de Kelbajar e regiões entre a Armênia e Karabakh (novamente ignorando fatores históricos daquelas terras) são mostradas como simples avanços das tropas de Karabakh sem mostrar o contexto de proteção estratégica dos ataques azeris que aquelas terras representavam.

Na parte final o foco são os movimentos para resolução do conflito, a criação do grupo de Minsk, a cúpula da OTAN em Lisboa, os encontros de Sarkissian e Pashinyan com Alyiev, criando um panorama dos cenários que eram oferecidos em cada fase da negociação e o depoimento de ambos os lados do porque não chegaram há uma conciliação.

O documentário também cita brevemente eventos recentes, como os ataques dos quatro dias de Abril de 2016, a revolução de veludo na Armênia em 2018 e o assassinato de Gourgen Margaryan por Ramil Safarov. E termina citando as tensões nas linhas de contato com o Azerbaijão, ignorando as reformas políticas recentes em Artsakh e a autonomia da região.

Apesar de todas as ressalvas levantadas aqui, o documentário representa um esforço gigantesco e quase impossível de ser concebido, uma vez que a guerra na região seja tão recente e esteja sempre em iminência de ser reiniciada. É um material importante de estudo e referência embora não possa ser usado como único parâmetro.

Assista abaixo o documentário completo, em inglês:

 

Sobre o autor

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Co-criador do Portal Estação Armênia. Engenheiro Mecânico e de automação, Descobri a ascendência armênia tardiamente e tenho me dedicado à criar conteúdo online para a comunidade desde então. Atualmente morando em Toronto.
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