Texto de Nairi Zadikian.
Hoje acordei com a minha mãe dizendo “Nairi, acorda, já são 10 horas, cadê a bandeira da Armênia?”.
Saímos de casa, um pouco antes das 11h, em direção ao Parque do Ibirapuera para assistir a apresentação da Orquestra Gulbenkian.
Todos nós conhecemos a Fundação Gulbenkian e sabemos do seu importante papel na diáspora. Mas o que esperar da Orquestra Gulbenkian vinda de Lisboa (Portugal)? Confesso que até ontem eu nem sabia da existência dela, e foi por acaso que a minha mãe soube da apresentação, pelo Facebook do Parque.
Não sabíamos o que esperar… Será que tocarão música armênia? Khachaturian? Komitas? Babajanian? Não importa, sabíamos da importância e renome da família Gulbenkian por todo o mundo e suas benfeitorias não só aos armênios, como para toda a sociedade na qual a Fundação está inserida de alguma maneira.
Eu mesma já escutei da minha amiga da faculdade que, em visita à sua família em Portugal, seu tio ficou contando sobre o grande impacto que as bibliotecas, museus, e atividades culturais têm em Lisboa. Realmente é de orgulhar que um compatriota e expoente como Calouste Gulbenkian (in memoriam) tenha conseguido deixar um legado tão grande, e tão digno, de um homem de bem, e que soube não só guardar pra si, mas sim quis com que mais pessoas pudessem, através da cultura principalmente, ter acesso a tantos meios de informação, educação e outros.
Chegamos lá, e havia um grande público sentado na grama, se acomodando, pra grande apresentação que estava por vir. Debaixo de um sol super forte, assistimos uma apresentação belíssima da Orquestra. A primeira grande satisfação foi em estar num evento aberto de altíssima qualidade e também a céu aberto, em pleno Parque do Ibirapuera, que leva o nome Gulbenkian.
Mas o melhor estava por vir… Não posso deixar de dar os créditos pra minha Mamá, que insistiu (e muito) em levar a nossa fiel bandeira da Armênia (que já foi pro show do System, do Kohar, e muitos outros…). Ela dizia “e se eles forem armênios?”. “Não são, Mamá, são de Portugal, eu duvido!”. Bom, acabou a apresentação, todos estavam de pé aplaudindo, eis que a minha mãe abre a bandeira.
E agora a surpresa – tanãnãnãm, música de suspense! – o maestro começa a chamar a atenção de um senhor sobrancelhudo e com nariz levemente avantajado que, por sua vez – tãnãnãm, música de suspense de novo! – começa a apontar o arco do seu violino pra gente e sorrir! (Pensamento: A Mamá vai jogar na minha cara a semana inteira que graças à insistência dela, ela trouxe a bandeira. Tudo bem, lidarei com isso!). Aplausos, mais aplausos, os músicos começam a ir embora.
Pelo menos ele nos viu, eu penso. Deve ter ficado contente em saber que os armênios da Coletividade daqui os prestigiaram. Então me aproximo da minha mãe que está batendo o maior papo com a segurança, próxima às grades, explicando o porquê dos seus 5 minutos de fama, e que éramos armênios. E é aí que a moça diz: “Bom, já que é assim, querida, eles vão sair por aquela saída da direita, podem ir lá vê-los”. Andamos, a passos largos, até a dita saída, esperando ansiosamente para encontrar alguém que não conhecemos, não sabemos o nome, mas temos a certeza de que será como um parente querido. Como diz a música da Inga e Anush “հայը հային տեսավ կյանք է ու սեր” (o armênio encontra outro armênio, é amor e vida). Tivemos então a honra de conversar com o simpático senhor que nos acenou do palco, que nos presenteou com um caloroso “Barev dzez, hayer!”.
Durante a conversa, soubemos que ele não era o único. A Orquestra é composta por 100 pessoas, 3 são armênias. Antigamente, havia 5 músicos, hoje, são três, que, há aproximadamente 30 anos atrás, foram convidados pela Fundação Calouste Gulbenkian a fazer parte. Então se mudaram de Yerevan (Armênia) para Lisboa, e lá trabalham e vivem. Alguns minutos depois, um segundo senhor se juntou a nós e acrescentou que Lisboa tem a menor Coletividade Armênia do mundo (ou uma das), com pouco mais de 130 pessoas. Contamos um pouco da Comunidade daqui, das instituições e, pra nossa surpresa, eles até que estavam bem informados sobre o que rola por aqui, e sobre a Estação Armênia do Metrô de São Paulo.
Os dois nos agradeceram diversas vezes pela “surpresa” e disseram que era uma grande felicidade em encontrar outros armênios durante as apresentações. Nos contaram ainda que são poucos os projetos somente de música armênia, mas que eles acontecem, sim, com menos frequência. A sensação era de ter reencontrado um tio numa tarde de domingo em casa, e estar escutando histórias sobre a nossa música. O sentimento, por sua vez, era “Nossa, como nós, armênios, somos talentosos e tão capazes! Orgulho imenso de estar falando a mesma língua desse cara”.
Tiramos uma foto juntos, nos adicionamos no Facebook (por sugestão dele mesmo!) e trocamos votos de prosperidade e sucesso. Afinal, é isso que desejamos quando encontramos outro armênio. Parece que nos conhecemos há anos, eu os senti tão próximos, tão parecidos, tão iguais a mim… Obrigada por terem despertado mais uma vez o orgulho de pertencer a esta nação. Por meios diferentes, pela música, pela religião, pelo ativismo político, mas o caminho de todos os armênios do mundo se cruza num ponto em comum: nossa essência.
A Orquestra Gulbenkian se apresenta na Sala São Paulo nos dias 07 e 08 de novembro, na capital paulista. Saiba mais no link: www.ingressorapido.com.br
estaremos la prestigiando o amigo e prof* Sarkis Hampar.