Naquela época eu tinha quinze anos…
A coletividade armênia de São Paulo construiu um belíssimo monumento na Avenida Santos Dumont.
Era lindo, mas muito triste, representando fielmente o motivo que levou os armênios a encomendar ao escultor José Jerez Recalde aquela que seria a sua obra prima.
Sempre que passava diante deste monumento, mais que as esculturas mostrando o sofrimento da mulher armênia e a fatídica caravana dos mortos vivos para finalmente morrerem nas areias escaldantes do deserto de El Zor, eram os escritos que me faziam pensar….
“Mesmo que acorrentem meus pés, amarrem minhas mãos, tapem minha boca, meu coração gritará por liberdade”. Esta frase de um poeta armênio, tinha o poder de me fazer vivenciar todo o sofrimento, revolta, indignação e fibra de um povo,meu povo, que apesar de tudo, ainda estava vivo e atuante.
Eu morava perto do Cemitério Chora Menino, reduto de muitos armênios vítimas do Genocídio. O assunto das atrocidades sofridas, tudo aquilo que visualizaram, causou-lhes um trauma tão medonho, que, como um pacto de silêncio, por mais de 50 anos, não transmitiam para as novas gerações o que havia acontecido em sua longínqua terra natal.
Mas, no monumento citado, havia ainda outra frase, não poética, não desafiadora, mas um protesto contra o povo e seus sangrentos atos, que depois de 50 anos faziam aquele monumento existir “Monumento erigido em memória de um milhão e meio de mártires armênios massacrados pelos turcos em Abril de 1915”. Uma história triste, mas de fé e amor cristão.
Cresci, e passei a ouvir e me interessar pelos fatos marcantes que atingiram meus parentes, maternos e paternos, e percebi que a nossa não foi a única família a ter seus mártires e heróis. Praticamente todas as famílias armênias tiveram suas vítimas. Naquele Imirim da minha infância, a começar do meu pai, muitos outros senhores e senhoras eram órfãos e vítimas do expansionismo turco otomano que desencadeou o primeiro genocídio do século XX.
Já passaram noventa e nove anos, o que fazer?
Como esquecer?
A poeira dos tempos não cicatriza as feridas…ela pode, quando muito, entorpecer a mente, impedir a fala, mas a dor, a tragédia e o sofrimento ressurgem cobrando seu preço e revolvendo seus traumas.
Como esquecer se 99 anos depois, agora em 21 de Março deste ano, quase no mesmo lugar que inspirou o escritor judeu austríaco, Franz Werfel, a descrever a impressionante e trágica epopéia dos armênios que resistiram ao império turco otomano, em Musa Dagh, volta a ser cenário de massacres e assassinatos de armênios por bandidos e criminosos provenientes da Turquia, que arrasaram a cidade de Kessab na Síria, lar de três mil armênios?
Pode haver reconciliação?
Quando os turcos reconhecerem a barbárie em sua própria história, se arrependerem de seus crimes contra a humanidade, buscarem reconciliação e se encontrar uma justa indenização pelas vidas e territórios usurpados, a reconciliação virá, interpessoal, nacional e internacional, virando uma das páginas mais negras e trágicas da história universal.
Agora, quase “velho”, espero viver para ver… enquanto isso “mesmo que acorrentem meus pés, amarrem minhas mãos, tapem minha boca, meu coração gritará por liberdade” continuará incomodando minha alma.
Observação: O “Monumento em Homenagem ao Povo Armênio”, no decorrer dos anos, foi saqueado e vandalizado, com suas lindas esculturas vendidas como ferro velho. Agora ele está reconstruído em novo local e foi reinaugurado em Abril de 2010.
Garo Aharonian
Garo Aharonian é um dos mais conceituados profissionais na área de fotografia em São Paulo com mais de 40 anos de experiência na área de fotografia publicitária e um ativo membro da Igreja Evangélica Irmãos Armênios.
Bravo!
Tio Garo, verbalizou o que o coração de todos nos chora com palavras silenciosas.