Publicado originalmente em 17/02/2013 (com colaboração de Vazken Proudian)
Na milenar história Armênia, o mês de fevereiro tem particular significado. É o mês que, coincidentemente ou não, houveram históricas e importantes rebeliões de defesa da Armênia, às quais os armênios continuam comemorando e relembrando nos dias de hoje.
Como já publicamos no portal recentemente, a primeira rebelião foi a de Vartanantz, ainda em 451 dC. a fim de preservar a vida e a liberdade religiosa dos armênios contra as imposições das forças do Império Persa (zoroastrista e anticristão).
Uma das revoltas mais marcantes do povo armênio é mais recente e ficou conhecida como O Levante de Fevereiro (Փետրվարյան ապստամբություն – Pedãrvarian Abãstamputiun). A rebelião iniciou-se em 13 de fevereiro de 1921 contra as destrutivas forças do regime comunista russo.
E para entender esse ato de liberdade, temos que voltar no tempo. A Federação Revolucionária Armênia havia conseguido o histórico feito de ter proclamado a primeira Independência da Armênia, em 28 de maio de 1918. Essa independência continha apenas os territórios da parte oriental que a usurpação turca não alcançou. Este ato de soberania nacional Armênia aconteceu apenas 3 anos após a Turquia ter iniciado o Genocídio Armênio.
Entretanto, a Turquia não estava satisfeita e queria mais. Em 13 de setembro de 1920, o general turco Kâzim Karabekir iniciou a invasão das fronteiras da então República da Armênia. Essa invasão estava sendo preparada desde meados de junho, como resposta à derrota da Turquia no campo diplomático, durante as negociações da paz em Paris, que culminaram na assinatura do Tratado de Sèvres, em 10 de agosto de 1920.
O tratado de Sèvres garantia os territórios da Armênia Ocidental histórica aos seus devidos donos, os armênios (a risca vermelha no mapa acima designava tais territórios para os armênios).
Mas os nacionalistas turcos de Kemal Ataturk tinham apoio dos bolcheviques russos. Os russos já tinham ocupado a região de Baku e partes da região de Elisavetpol (territórios que hoje compõem a República da Azerbaijão) e pretendiam invadir a República da Armênia Oriental.
Diante da situação, a Federação Revolucionária Armênia mobilizou as forças rebeldes armênias na defesa contra a invasão turca, ao mesmo tempo iniciando conversas com o representante dos bolcheviques, Boris Legran. As regiões armênias de Kars, Sarikamish, Oltu e Alexandropol (atual Gyumri) foram tomadas pelas forças turcas no período entre 20 de setembro e 12 de novembro de 1920.
Em 18 de novembro de 1920 armênios e turcos assinaram um armistício, e iniciaram-se as negociações para celebrar um tratado de paz, em Alexandropol ocupado pelos turcos. As condições impostas pelos turcos praticamente inviabilizavam a continuidade da existência do jovem Estado Independente Armênio. Para complicar, as forças bolcheviques cruzaram a fronteira da República da Armênia no dia 29 de novembro e ocuparam a cidade de Karavansarai (atual Ijevan).
Diante dessa situação, em 02 de dezembro a liderança da República da Armênia aceitou a transferência de seus poderes pacificamente aos Bolcheviques, garantindo, entre outras coisas, a segurança pessoal dos membros do governo. Ao mesmo tempo, na madrugada do dia 03 de dezembro de 1920, a delegação armênia teve que assinar o Tratado de Alexandropol com os turcos (que tecnicamente acabou sendo nulo).
A Armênia concordou em aderir à esfera soviética, enquanto os Bolcheviques concordaram em proteger o restante do território e do povo armênio do avanço turco. Assim, em 02 de dezembro de 1920 ocorreu a sovietização da Armênia e nos dias 04 a 06 de dezembro entraram em Yerevan, capital da Armênia, as divisões do Exército Vermelho, o Comitê Revolucionário (governo) e finalmente a Polícia Secreta Soviética.
A REVOLTA:
Foi ai que a revolta acontece. Em dezembro daquele ano o governo soviético prendeu cerca de 1.000 oficiais das forças armadas armênias, incluindo os generais Tovmaz Nazarbekian e Movses Silikian. Em fevereiro de 1921, muitos heróis da batalha de Sardarabad foram forçados a caminhar de Yerevan a Alaverdi a pé (cerca de 160 km) e alguns deles foram mortos fuzilados na estrada. Mais tarde, oficiais presos foram enviados para prisões em Baku e na Rússia. Os intelectuais pró-FRA também foram perseguidos. Os aldeões foram roubados e o trigo foi tirado sem qualquer compensação dando início a uma revolta generalizada a partir do dia 13 de fevereiro de 1921.
As forças soviéticas não conseguiam controlar os manifestantes.
No dia 18 de fevereiro, as forças da Federação Revolucionária Armênia entraram em Yerevan e tanto os Bolcheviques quanto o Exército Vermelho recuaram para Artashat. Figuras importantes da nossa história, tais como Hovhannes Katchaznouni, Levon Shant, Nigol Aghbalian e muitos outros foram libertados da prisão. O “Comitê de Salvação da Pátria” foi formado para governar o país, com a liderança de Simon Vratsian.
Ao longo dos 42 dias de liberdade, foram travadas duras batalhas entre as forças da Federação Revolucionária Armênia (Tashnagtsutiun) e os comunistas. Em 27 de fevereiro, os Bolcheviques atacaram Yerevan, mas em 1º de março foram forçados a recuar.
Após uma pausa de duas semanas, os Bolcheviques iniciaram uma nova ofensiva ocupando Ashtarak em 16 de março, mas no dia seguinte as forças do Tashnagtsutiun recapturaram a cidade. Entretanto, o Exército Vermelho tinha superioridade numérica e iniciou uma grande ofensiva no dia 24 de março, conseqüentemente, em dia 2 de abril as forças rebeldes armênias retiraram-se de Yerevan para evitar a destruição da capital.
O Comitê de Salvação da Pátria, as forças da Tashnagtsutiun e muitos civis se retiraram para o sul do país, na região de Syunik, juntando-se às forças do polivalente general Karegin Nzhdeh e formaram a República da Armênia Montanhosa. A resistência continuou até o mês de julho de 1921, quando os líderes da Federação Revolucionária Armênia cruzaram o rio Arax e foram para o Irã, encerrando essa página heroica da nossa história.
Este foi o primeiro ato contra a opressão comunista que se tem notícia na história, como resultado direto do Pedãrvarian Abãstamputiun foram salvas muitas lideranças importantes da nação armênia. Mas, mais do que isso: as razões da revolta foram discutidas pelo governo comunista que então decidiu tratar a população do país com mais tolerância e nomeou o Aleksandr Myasnikyan na nova liderança do governo da Armênia Soviética.
A Armênia fez parte da União Soviética por quase 70 anos, até a sua implosão, em 1991 quando foi proclamada a segunda independência da Armênia em 21 de setembro.