Em seu artigo de 30 de janeiro de 2012 no caderno Mundo da Folha de São Paulo (clique aqui para ver), o Professor Bresser Pereira inicia sua argumentação questionando os possíveis motivos pelos quais a França definiu como genocídio o massacre sofrido pelos armênios em 1915.
Certamente por alguma infelicidade, distração ou mesmo desconhecimento, o autor não faz uma abordagem correta do fato ocorrido semana passada no Parlamento francês.
A França reconheceu o genocídio armênio como fato histórico em 1998 com lei sancionada em 2001.
Dessa forma, respeitando os seus cidadãos de origem armênia, que tiveram pais massacrados e deportados pelo governo turco-otomano entre 1915 e 1923, os parlamentares franceses aprovaram uma lei que penaliza a apologia do “negacionismo” de qualquer genocídio, não somente do genocídio armênio.
Todos os anos, milhares de armênios e franceses se reúnem nas ruas de várias cidades francesas para rememorar as vítimas do Genocídio. Essa é a maior prova que a lei aprovada no país interessa SIM aos franceses.
A princípio causaram espécie os questionamentos do Professor Bresser Pereira quanto ao fato do genocídio ter ocorrido há quase um século atrás.
Mais uma vez o lapso, certamente não intencional, aparece no artigo, já que o crime de genocídio foi ratificado no começo dos anos de 1950 a partir da resolução 96 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 1946, tornando-se imprescritível pela resolução 2391 da Assembleia Geral realizada em 1968, entrando em vigor em 1970.
Essa estranheza se desfaz quando o Professor Bresser Pereira deixa claro o motivo de seu espanto ao afirmar que não faz sentido para a França um conflito com a Turquia, o mais importante país do Oriente Médio e uma potência emergente nas suas palavras.
Fica claro que o Parlamento da França não subordina suas decisões de caráter político ao poder econômico desse ou daquele país. Eles promulgaram uma lei que pune aqueles que querem que o passado seja esquecido para que no futuro possivelmente possam cometer outros crimes hediondos contra a humanidade. Isso pode ser facilmente provado uma vez que o comércio bilateral entre os dois países é de 12 bilhões de $Euros anuais fato que sequer foi discutido no Parlamento francês.
Mas o que causa maior espanto é o total desconhecimento sobre o assunto quando o autor cita no final do artigo que essa lei não serve à Armênia, ofende a Turquia e não interessa a França.
A lei serve não somente a República da Armênia como a toda nação armênia formada também pela diáspora e seus descendentes. Para a República da Armênia a lei é um alento para que o crime de genocídio nunca mais se repita e que as ameaças do Azerbaijão, apoiado ostensivamente pela Turquia, contra a população da República de Nagorno Karabagh, habitada por armênios, nunca se concretize.
Acrescento ainda que a luta pelo reconhecimento do genocídio pelo governo turco é pauta do governo da República da Armênia e seu ministério das relações exteriores. Como é possível afirmar que a lei anti-negacionista aprovada na França não serve para uma nação quase exterminada no começo do século XX?
Para a Turquia a lei é um convite à revisão de sua história. Essa oportunidade de assumir realmente o que aconteceu já foi exposta por inúmeros intelectuais e especialistas como o escritor Orham Pamuk, Premio Nobel de Literatura em 2006.
Outras vozes também se levantaram na própria Turquia para que o governo negacionista de Erdogan se conciliasse com seu passado. Aqueles que se atreveram a fazer isso foram enquadradas no artigo 301 da constituição turca que criminaliza “o insulto a identidade turca”, ou seja, impede qualquer crítica no campo político. Essa lei sim é um entulho autoritário já criticada por vários organismos internacionais de direitos humanos e até mesmo pelas forças progressistas turcas.
Não é nova a empolgação do Professor Bresser Pereira com a Turquia. Em artigo nessa mesma Folha em 20 de junho de 2010 intitulado “Adeus à Turquia ou o Bem x Mal”, ele lança uma crítica aos países mais ricos do mundo dizendo que é um absurdo manter uma visão dicotômica sobre a nova escala das relações internacionais. Porém dessa vez não estão em jogo valores e cifras ou mesmo classificações dos países em escalas de importância. Estamos falando de mais de um milhão e meio de armênios mortos em 1915. Diminuir a importância desse crime é uma ofensa aos descendentes e a todos aqueles que lutam pelos direitos humanos.
James Onnig Tamdjian é Professor de Geografia e Geopolítica, autor da Editora FTD e colunista do Estação Armênia. As opiniões aqui expressas por ele não refletem necessariamente às do portal.
1 Comentário