Em um movimento que mais parece uma peça de teatro para autopromoção, Donald Trump presidiu a assinatura de uma declaração conjunta entre o primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, e o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, na Casa Branca. O evento, que Trump apressadamente classificou como o fim de um conflito de “35 anos”, foi marcado pela total ausência de menção a Artsakh ou aos armênios deslocados, indicando a verdadeira natureza do “acordo”: uma rendição de fato da Armênia às exigências do Azerbaijão.
O texto divulgado pelo gabinete de Pashinyan é, na verdade, uma declaração de intenções, não um tratado de paz consolidado. Ou seja, trata-se de uma promessa, um rascunho de paz, e não um documento com força de lei para, de fato, trazer a paz. Se vai funcionar ou não, o tempo dirá.
A principal novidade e, ao mesmo tempo, a mais polêmica, é a criação da Rota Trump para a Paz e a Prosperidade Internacional (TRIPP). Esta estrada de 43 quilômetros na província de Syunik, na Armênia, será arrendada aos Estados Unidos por 99 anos e servirá como uma rota de transporte crucial para conectar o Azerbaijão ao exclave de Nakhichevan. O próprio Trump se gabou do nome da estrada, alegando que não foi sua sugestão. A agência de notícias Associated Press informou que a proposta partiu da Armênia e foi aceita pelo Azerbaijão, em um gesto de subserviência de Pashinyan que visa agradar o presidente americano.
O documento também dissolveu oficialmente o Grupo de Minsk da OSCE, criado para mediar o conflito de Nagorno-Karabakh, mostrando que o palco agora está montado para um novo arranjo regional, totalmente desfavorável à Armênia.
Mais vitórias para o Azerbaijão, com a benção de Trump
A lista de concessões armênias não para por aí. Em uma decisão que enfureceu a comunidade armênio-americana, Trump anunciou a revogação da Seção 907 do Freedom Support Act. A lei, aprovada em 1992 pelo Congresso americano, impedia a ajuda militar dos EUA ao Azerbaijão enquanto o país mantivesse o bloqueio à Armênia. Com a revogação, o Azerbaijão pode agora receber armamentos americanos, desequilibrando ainda mais a balança militar e tornando a Armênia ainda mais vulnerável.
Aliyev expressou sua gratidão a Trump. Ele declarou que este “é um dia que será lembrado pelo povo do Azerbaijão pela atitude demonstrada em relação ao nosso país pelo presidente Trump”. Aliyev e Pashinyan também afirmaram que dariam seu “apoio incondicional” para a nomeação de Trump ao Prêmio Nobel da Paz, com Aliyev até mesmo sugerindo que fizessem um apelo conjunto ao comitê.
Enquanto isso, Pashinyan falou que o acordo “abrirá uma página de paz, prosperidade e cooperação econômica no Cáucaso do Sul”. Ele enfatizou que a abertura das vias de comunicação se basearia em princípios de “soberania, integridade territorial e jurisdição”, palavras que soam vazias quando Artsakh é ignorada e a integridade do território armênio é comprometida com uma estrada sob controle de terceiros.
Em essência, o que presenciamos na Casa Branca foi menos um acordo de paz e mais uma capitulação armênia, em que o governo de Pashinyan cedeu a todas as demandas de Baku, enquanto Trump usa o evento para se autopromover, visando o Nobel da Paz e as próximas eleições. A paz, se é que podemos chamar assim, parece ser um luxo que só o Azerbaijão pode desfrutar, com a bênção do presidente americano. O futuro de Artsakh e a segurança do povo armênio foram, mais uma vez, ignorados em nome de interesses geopolíticos e da vaidade pessoal de um líder.
Abaixo segue o texto completo do documento.
Declaração Conjunta do Presidente da República do Azerbaijão e do Primeiro-Ministro da República da Armênia sobre os resultados de sua reunião em Washington D.C., Estados Unidos da América
Nós, o Presidente da República do Azerbaijão e o Primeiro-Ministro da República da Armênia, tendo nos reunido em Washington D.C., Estados Unidos da América, em 8 de agosto de 2025, declaramos o seguinte:
- Nós e o Presidente Donald J. Trump dos Estados Unidos da América testemunhamos a rubrica do texto acordado do Acordo sobre o Estabelecimento da Paz e Relações Interestaduais entre a República do Azerbaijão e a República da Armênia pelos Ministros das Relações Exteriores das Partes. A este respeito, reconhecemos a necessidade de continuar as ações para alcançar a assinatura e a ratificação final do Acordo, e enfatizamos a importância de manter e fortalecer a paz entre nossos dois países.
- Também testemunhamos a assinatura do apelo conjunto à Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) sobre o encerramento do Processo de Minsk da OSCE e estruturas relacionadas pelos Ministros das Relações Exteriores da República da Armênia e da República do Azerbaijão. Convocamos todos os Estados participantes da OSCE a adotar esta decisão.
- Reafirmamos a importância da abertura de comunicações entre os dois países para o transporte intra-estatal, bilateral e internacional para a promoção da paz, estabilidade e prosperidade na região e em sua vizinhança, com base no respeito à soberania, integridade territorial e jurisdição dos Estados. Esses esforços devem incluir conectividade desimpedida entre a parte principal da República do Azerbaijão e sua República Autônoma de Nakhchivan através do território da República da Armênia com benefícios recíprocos para a conectividade internacional e intra-estatal para a República da Armênia.
- A República da Armênia trabalhará com os Estados Unidos da América e terceiros mutuamente determinados para estabelecer uma estrutura para o projeto de conectividade “Rota Trump para a Paz e Prosperidade Internacional” (TRIPP) no território da República da Armênia. Confirmamos nossa determinação em envidar esforços de boa-fé para alcançar este objetivo da maneira mais expedita.
- Reconhecemos a necessidade de traçar um curso para um futuro brilhante não limitado pelo conflito do passado, consistente com a Carta das Nações Unidas e a Declaração de Almaty de 1991. As condições foram criadas para que nossas nações finalmente se empenhem em construir relações de boa vizinhança com base na inviolabilidade das fronteiras internacionais e na inadmissibilidade do uso da força para a aquisição de território após o conflito que trouxe imenso sofrimento humano. Esta realidade, que não é e nunca deve ser sujeita a revisão, abre o caminho para fechar o capítulo de inimizade entre nossas duas nações. Rejeitamos e excluímos resolutamente qualquer tentativa de vingança, agora e no futuro.
- Expressamos nossa confiança de que esta Cúpula é uma base sólida para o respeito mútuo e o avanço da paz na região.
- Expressamos profunda gratidão ao Presidente Donald J. Trump dos Estados Unidos da América por sua graciosa hospitalidade ao sediar esta importante cúpula e por suas significativas contribuições para o avanço da normalização das relações bilaterais entre a República do Azerbaijão e a República da Armênia.
A presente Declaração foi assinada em 8 de agosto de 2025, em Washington D.C., Estados Unidos da América.