Por Marut Vanyan
O impacto inicial diminuiu, e a atenção também, ao que parece. O que preocupa os armênios de Artsakh (Karabakh) após a limpeza étnica, em suas novas vidas na Armênia?
“Stepanakert é uma cidade maravilhosa… todas as noites, estou lá em meus sonhos. Vi carros voando pelas ruas como aviões, assim como vemos na internet como serão as cidades do futuro”, diz Armen Mirzoyan, que foi deslocado à força de Artsakh em setembro de 2023 e agora vive em Abovyan, na Armênia. “Eu respirava lá, a natureza era diferente, o ar era diferente, tudo era diferente. Todos são culpados por esse desastre. Se você não pode manter algo, eles o tiram de você. Eu me pergunto se os azerbaijanos conseguirão viver em Stepanakert”, questiona ele, antes de concluir: “Acho que não”.
Nos dias anteriores à catástrofe, a maioria dos armênios de Artsakh veio para a Armênia (diretamente para Yerevan) por duas razões: tratamento médico ou educação. Em Artsakh, cada um vivia em sua própria cidade ou aldeia e falava o subdialeto de sua região. Sempre que se encontravam na capital de Artsakh, Stepanakert, ficava claro, pelos sotaques, de qual região de Artsakh eram – Martakert, Martuni ou Hadrut. No entanto, a situação é tão chocante que, seis meses depois, os armênios de Artsakh ainda não compreendem por que acabaram na Armênia, embora esta também seja a sua terra natal.
Mirzoyan continua refletindo: “Os armênios de Artsakh não querem aceitar a cidadania armênia. Eles acreditam que logo voltarão para casa; afinal, os cemitérios dos nossos entes queridos estão lá, não é mesmo? Você acha que o Azerbaijão conseguirá povoar Stepanakert com seus cidadãos? Talvez Aghdam, mas não Stepanakert, que sempre foi armênio. Eu me pergunto se eles extrairão ouro de Artsakh [a mina de ouro de Kashen]? Não sei em que qualidade, mas os armênios deveriam viver em Artsakh. Como eles vivem em Javakhk (Javakheti)? Não sei o que fazer nesta vida para torná-la melhor.”
Hoje, toda a população de Artsakh, espalhada por toda a Armênia, enfrenta vários problemas socioeconômicos e psicológicos. Desde o início, muito se falou sobre como organizar a vida dos armênios de Artsakh na Armênia. Sugeria-se que fossem alocados em Syunik, porque os dialetos de Artsakh e Syunik são semelhantes. No entanto, a realidade é diferente. Esses novos refugiados vivem onde podem no momento. Outros, com oportunidade, estão emigrando, incapazes de suportar a difícil situação social ou simplesmente em busca de uma vida melhor. Não é fácil ir para outro país. A situação na Rússia está pior agora, dizem eles, enquanto ir para a Europa ou os EUA parece tão impossível quanto retornar a Artsakh.
De acordo com o Serviço de Segurança Nacional da Armênia, mais de 6.000 cidadãos de Artsakh já deixaram o país.
O retorno dos armênios de Artsakh às suas casas parece, pelo menos por enquanto, irrealista. Certamente ninguém quer estar em Karabakh da forma proposta pelo Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev. Ninguém quer viver sob a bandeira do Azerbaijão. Afinal, por que mais de cem mil pessoas deixaram suas casas onde viveram durante séculos?
Segundo o Provedor de Justiça de Artsakh, Gegham Stepanyan, são necessárias garantias internacionais sérias para o retorno a Artsakh, e as garantias das forças de manutenção da paz russas não são suficientes.
“Minha opinião é que são necessárias garantias internacionais. Em outras palavras, apenas a garantia das tropas russas de manutenção da paz destacadas em Artsakh após 2020, como a história tem demonstrado, não é suficiente para garantir a segurança em Artsakh. Uma garantia muito mais desejável e elevada pode ser fornecida se forças de manutenção da paz ou forças internacionais forem formadas na plataforma internacional”, disse Stepanyan durante uma conferência de imprensa realizada em Yerevan, em 14 de Fevereiro.
“Regressar a Artsakh só será possível se as autoridades armênias (Artsakh) liderarem até lá, se o garantidor da segurança for o nosso exército. Somente sob a bandeira Artsakh. É isso. A vida mostrou que não é possível viver nem na casa ao lado (com os azerbaijanos), muito menos viver juntos”, diz Anush Martirosyan, que viveu toda a sua vida em Stepanakert.
Ela continua: “Como e quando regressar pode ser discutido longamente, mas eles (nós) precisam de uma casa para viver agora e querem ou não que essa casa seja na República da Armênia. Eles têm que pagar por isso (aluguel), o que é muito caro para eles. Afinal, o povo de Artsakh sempre possuiu propriedades, por isso é desconfortável morar em uma casa alugada. É uma espécie de pressão psicológica para eles.”
Recentemente, residentes deslocados de Artsakh reuniram-se no corredor do escritório do Trabalho e Assuntos Sociais em Abovyan com rostos ansiosos. Todos estavam de pé e esperando para obter os esclarecimentos que precisavam. Três crianças sentadas nas cadeiras do saguão, com telefones nas mãos, assistiam a um desenho animado.
“O proprietário exige o aluguel. Eu tenho que pagar água e luz. Meus filhos não recebem pensões, aqui não dão nenhuma explicação clara. Eles dizem ‘espere’… Quanto? Me mandam de um lugar para outro, exigem documentos. Já cansei dessas filas humilhantes. Eles nem sequer dão esses cinquenta mil drams, mas dizem que vão destinar dez milhões de drams aos refugiados de Artsakh para construir uma casa. Estão zombando da gente”, diz a mãe de uma das crianças.
Talvez o problema mais urgente para os delocados de Artsakh seja a habitação. O apoio financeiro fornecido pelo governo armênio não é suficiente se eles tiverem quee pagar aluguel, porque o aluguel de um apartamento em Yerevan, como dizem, é tão caro como em Londres.
“Em 31 de dezembro de 2023, 10.000 pessoas deslocadas à força de Nagorno-Karabakh já tinham encontrado emprego na Armênia. Isto é bom, mas não é tudo, porque representa talvez apenas 30% do número total de pessoas empregáveis deslocadas de NK. Todos os aposentados recebem as suas pensões, e estamos planejando lançar em breve um programa de habitação. Chegamos a duas conclusões importantes durante os debates: em primeiro lugar, este projeto deve ser acessível também aos cidadãos da Armênia; em segundo lugar, nossos irmãos e irmãs que foram deslocados à força de Nagorno-Karabakh que quisessem usar este programa teriam que obter a cidadania da Armênia [como um requisito obrigatório do programa]”, disse o primeiro-ministro Nikol Pashinyan durante a sua reunião com a comunidade armênia na Alemanha, onde estava em visita para a Conferência de Segurança de Munique em 19 de fevereiro.
“Deus sabe quando e onde teremos uma casa”, dizem aqueles que foram deslocados à força de Artsakh. Construir uma casa é tão difícil quanto perdê-la, dizem.
Conclui Anush: “Sinceramente, não estou muito otimista. Vimos como foram construídas casas para os residentes de Hadrut e Shushi que foram deslocados em 2020. Até agora, eles estão tão sem-abrigo como nós. Só preciso da minha casa em Artsakh. Não preciso de outra, mesmo que seja um castelo magnífico. Estou até pronta para viver numa tenda, mas em Artsakh.”
(Marut Vanyan é jornalista freelancer de Artsakh/Karabakh. Trabalha com jornalismo desde 2015.)