O título deste texto já diz muita coisa. É sempre muito difícil compreender a negativa israelense de reconhecer os fatos históricos. Pode-se argumentar muita coisa, mas é uma vergonha para os judeus que Israel não reconheça que os armênios passaram por crime tão horrendo nas mãos dos turcos em 1915 quanto o Holocausto.
E assim, com uma notícia nada animadora do ponto de vista dos Direitos Humanos, na última quarta-feira (14) o Knesset (Parlamento de Israel) mais uma vez rejeitou a proposta de reconhecimento do Genocídio Armênio que tramitava na casa sob autoria do político, jornalista, ator e escritor israelense Yair Lapid, presidente do partido Yesh Atid, opositor ao governo de Benjamin Netanyahu que está sendo acusado de corrupção pela polícia israelense.
De acordo com o jornal Jerusalem Post, a medida em questão proposta pelo partido Yesh Atid, segundo o qual Tel Aviv teria a obrigação de reconhecer tal genocídio sofrido pelos armênios promovido pelo Império otomano em 1915 porque os judeus, por sua vez, sofreram uma calamidade semelhante, o Holocausto nazista durante a Segunda Guerra Mundial. E temos que lembrar que esta não é a primeira vez que o país dos judeus rechaça o reconhecimento do Genocídio Armênio.
Nos últimos anos, em diversas ocasiões, o Knesset discutiu a questão, como por exemplo em 2011, 2012, 2016 e agora, em 2018. É fato que Israel tem ótimas relações da Turquia e do Azerbaijão, dois países com população turca e que consideram os armênios como seus inimigos.
O Azerbaijão, sob a presidência do ditador Ilham Alyiev, agride constantemente a região independente armênia de Artsakh (também conhecida como Nagorno-Karabakh) mesmo após o cessar-fogo assinado em 1994, como na demonstração gratuita de violência em que atacou os armênios de Artsakh em 2016 e ficou conhecida como a “Guerra dos 4 dias” (leia aqui).
O Azerbaijão não aceita a retomada de Artsakh pelos armênios após a guerra que durou de 1988 a 1994. A região, ancestral e historicamente armênia, foi cedida ao Azerbaijão por Stalin. Mas, com a queda da “cortina de ferro” e o fim da URSS, os armênios iniciaram o Movimento Karabakh, que completa 30 anos em 2018 e culminou com a conquista da região, hoje auto-proclamada República Armênia de Artsakh (ou de Nagorno-Karabakh). Por este fato, o Azerbaijão é um grande cliente de materiais bélicos produzidos por Israel, além de toda sua influência por possuir petróleo em seu território.
Já a Turquia, por sua vez, mesmo após algumas rusgas recentes, é parceira de primeira hora de Israel, apesar de o presidente Recep Tayyip Erdogan declarar que iria abrir uma embaixada turca em Jerusalém Oriental, além de reconhecer o local como capital de um Estado palestino, mesmo após toda a polemica criada por Donald Trump ao reconhecer Jerusalém como a capital de Israel,em dezembro passado.
Por esses e muitos outros motivos talvez Israel não reconheça o Genocídio Armênio jamais e em nenhuma hipótese. É triste isso, pois os judeus perderam mais de 6 milhões de pessoas num dos maiores crimes contra a humanidade que se tem notícia. Muitos historiadores citam o infame trecho do discurso de Adolf Hitler aos seus súditos em 1939, quando disse: “Façam o que for necessário. Afinal, hoje, quem se lembra dos armênios?”. Seria cômico se não fosse trágico o fato de Israel não reconhecer a tentativa dos otomanos de exterminarem os armênios.
Mas antes que o leitor pense que estou atacando Israel e ofendendo os judeus, gostaria de explicar. Em 2017, na rememoração do Holocausto (Yom Hashoá), realizada pela Federação Israelita do Estado de São Paulo no Clube A Hebraica, eu que vos escrevo, fui um dos convidados do evento representando a coletividade armênia local e acendi uma das 6 velas em homenagem às seis milhões de vidas perdidas para o Nazismo.
Não preciso nem dizer que foi uma honra sem tamanho, além de grande orgulho em representar meus pares da coletividade. Os judeus do Brasil, em sua grande maioria, reconhecem o Genocídio Armênio. Inclusive, alguns amigos da Juventude Judaica Organizada já nos apoiaram em manifestações pacíficas em frente ao consulado da Turquia em São Paulo. Mas eles estão aqui no Brasil como comunidade e não representam o Governo de Israel.
Eu sou muito grato a todos eles por reconhecerem que os armênios enfrentaram as mesmas injustiças anos antes, guardadas as devidas proporções e práticas.