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As décadas imediatamente após o genocídio armênio serviram para aprender a lidar com o trauma e trabalhar para a reconstrução em torno dos novos arranjos da diáspora armênia; assim como da atmosfera da URSS para os armênios da Armênia e de outros lugares da União Soviética.
Mas e os armênios da Turquia? Havia sobreviventes no interior daquele país e muitos, mesmo cientes de suas origens – e talvez por isso – adotaram o Islã e identidades turcas e curdas. Mas ainda restou uma comunidade armênia em Constantinopla, mais tarde oficialmente rebatizada de Istambul. Com o passar dos anos, após a consolidação da República da Turquia, os armênios de Istambul assumiram a responsabilidade de enviar missionários para as vilas e cidades da Anatólia e Ásia Menor, localizando armênios e levando-os para Istambul a fim de receberem educação armênia, seja religiosa ou secular. De fato, a maior parte dos armênios de Istambul hoje não são descendentes das antigas famílias armênias de Constantinopla (Bolsahay), mas filhos e netos de armênios de outras partes da Turquia.
A história de HRANT DINK ecoa esse processo. Ele nasceu em Malatia, sul da Turquia, em 1954. Sua família se mudou para Istambul em 1960, onde Dink recebeu educação armênia em várias instituições. Se graduou em Zoologia na Universidade de Istambul, onde ele também se envolveu nos movimentos social e político. Eram tempos de choques de ideologias na Turquia e de certa violência política, incluindo o início do movimento armado curdo. Dink se envolveu em problemas mais de uma vez devido às suas posições e à sua origem armênia. Porém, ele continuou a viver e trabalhar em Istambul, operando uma rede de livrarias.
A grande mudança aconteceu em 1996, com a criação do AGOS, o primeiro periódico armênio bilíngue da Turquia. É claro que outros jornais armênios circularam em Istambul por longos anos, mas um jornal que fosse tanto em turco quanto em armênio permitia que a voz armênia fosse ouvida amplamente na sociedade turca. Esse jornal foi também um veículo pelo qual a diáspora armênia e a recém-independente Armênia poderiam estar em contato com a comunidade turco-armênia, que havia ficado em grande parte à margem. Hrant Dink foi editor e fundador do Agos e permaneceu nesse posto até ser morto em 19 de janeiro de 2007.
O assassinato de Dink foi um ponto de virada na vida pública na Turquia. Ele foi alvejado em plena luz do dia em frente à redação do Agos por um jovem nacionalista de 17 anos. A história ganhou as manchetes mundo afora e criou uma onda de indignação por todo o país por conta da desconfiança que o assassino não teria agido sozinho. Evidentemente que Dink era alvo de duras críticas por sua franqueza e havia recebido ameaças de morte, que não só foram ignoradas pelas autoridades, como alimentaram teorias da conspiração, sobretudo após o assassino ter sido enaltecido pelos policiais. As investigações e o julgamento ainda prosseguem e continuam a gerar controvérsias, ainda que o assassino tenha sido condenado a 22 anos de prisão.
O assassinato de Hrant Dink eletrizou a comunidade armênia em Istambul, os armênios da Armênia e na diáspora, bem como a sociedade civil como um todo na Turquia. Marchas e manifestações com a participação de centenas de milhares – incluindo armênios, turcos, curdos e outros – têm acontecido no aniversário do assassinato. O Agos continua a ser publicado e mantém a linha editorial definida por seu editor-fundador, enquanto a Fundação Hrant Dink mantém seu legado e obra no que tange à democratização e respeito pelas minorias e direitos humanos na Turquia, bem como o restabelecimento das relações entre Turquia e Armênia.