A família Asturian, que vive na cidade de Viadutos (região norte do Rio Grande do Sul), marcou o centenário do Genocídio Armênio com duas matérias em jornais locais.
O primeiro artigo, publicado no Jornal Bom Dia de Erechim, assinado por Najaska Martins, aborda o Genocídio Armênio e também como a família enfrentou as dificuldades até chegar ao sul do Brasil.
O segundo é um artigo escrito por Adilson Asturian e Alan Asturian, também para o Jornal Bom Dia.
Leia abaixo a íntegra das matérias
GENOCÍDIO ARMÊNIO 100 anos de luta por reconhecimento.
Família de descendência armênia que reside em Viadutos relembra a data que marca o centenário do genocídio ocorrido entre 1915 e 1918, celebrado nesta sexta-feira (24).
Najaska Martins
najaska@jornalbomdia.com.br
Um genocídio que quase exterminou um povo, mas que poucos livros de História narram completa neste ano seu centenário. Entre 1915 e 1918 na Anatólia, região central da Turquia, cerca de 1,5 milhão de armênios foram mortos pelo Império Turco Otomano, no episódio conhecido como Genocídio Armênio e que até hoje não é reconhecido pelo governo turco como tal. Celebrado amanhã, 24 de abril, o centenário do genocídio marca os 100 anos de luta do povo armênio por este reconhecimento. E esta luta não se limita aos ‘armênios puros’. Em Viadutos, cidade vizinha de Erechim, uma família também espera por isto. Adilson Asturian, sua irmã Maria Asturian Fiorini e seus filhos Alan e Marcos têm origem armênia.
A relação da família com o pequeno país localizado no sudoeste da Ásia teve início com a vinda do armênio Mekitar Asturian para o Brasil, no ano de 1912. Para entender os motivos que o fizeram chegar à região de Erechim, é preciso antes explicar o que foi exatamente o Genocídio Armênio. Segundo Alan, filho mais jovem de Adilson e neto de Mekitar, as comunidades armênias que estavam sob o domínio do império turco otomano – desde o final do século XIX – sofriam perseguições, bem como eram vítimas de massacres.
Primeira nação a adotar o cristianismo como religião oficial (antes mesmo do império romano), os armênios tinham identidade singular dentro dos limites do Império Otomano, bem como eram uma das comunidades mais prósperas da Anatólia, sobretudo pela prática do comércio. No contexto da Primeira Guerra Mundial os nacionalistas turcos, aliados à Tríplice Aliança, acusaram os armênios de deslealdade e efetuaram uma política de deportação.
Na data de 24 de abril de 1915, considerada pelos armênios como o dia “primeiro” do genocídio, centenas de intelectuais foram presos, deportados e assassinados”, explica. Conforme Alan, o governo do Comitê de Unidade e Progresso – órgão de poder dos oficiais conhecidos como Jovens Turcos – iniciou o processo de transferência dos armênios para o leste, uma região que, segundo ele, há pouco além de desertos.
“Quando uma cidade recebia ordem de despejo, os homens geralmente eram executados – na forca, a tiros e queimados vivos, sendo que suas propriedades eram confiscadas. Sobravam mulheres, velhos e crianças para jornadas a pé que duravam até dois meses. Extenuados e famintos, encontravam pelo caminho estupradores e saqueadores. Os cortejos que deixavam as cidades logo se transformavam em filas de cadáveres abandonados”, pontua Alan. Segundo ele, que é funcionário público municipal de Viadutos, para muitos historiadores o que ocorreu foi genocídio, isto é, um processo de limpeza étnica, com a intenção de eliminar o povo armênio. “O governo turco nega que tenha ocorrido um genocídio e afirma que agiu para garantir a soberania nacional. Atualmente a Turquia pune com prisão os cidadãos que se referem ao episódio e utilizam o termo genocídio. No campo das relações internacionais, bem como da política exterior a Armênia busca o reconhecimento do genocídio, já houve o reconhecimento de mais de vinte países, bem como do Parlamento Europeu”, completa.
A vinda de Mekitar para o Alto Uruguai gaúcho
Alan pontua que a relação da família Asturian com a Armênia está interligada com o episódio, pois foi neste contexto que Mekitar Asturian, no ano de 1912 partiu da Armênia com destino ao Brasil para encontrar seu irmão Marcos que residia com seu tio Martins Asturian na localidade de Capoerê, interior de Erechim. “Com o intuito de salvarem suas vidas, de forma desordenada, Mekitar que era órfão de pai, teve o restante de sua família dissolvida. Durante a fuga sua mãe refugiou-se na Rússia com um neto, sua irmã e seu cunhado na França e ele conseguiu vir para o Brasil atrás do irmão mais velho, que por um percalço do destino havia regressado para a Armênia alguns dias antes de sua chegada”, conta. Segundo ele, Mekitar chegou ao Brasil em 1912, com destino à localidade de Capoerê. E por falar apenas a língua armênia teve em seu tio a base para permanecer no país e constituir sua família. Casou com Ernestina Rigotti e devido a sua profissão no ano de 1937 foi transferido para Viadutos/RS, então 10° distrito de Erechim, para ocupar o cargo de subdelegado e subprefeito. Teve nove filhos, porém apenas o mais novo Adilson Asturian com 73 anos e a filha mais velha Maria Asturian Fiorini com 98 anos estão vivos. Alan conta ainda que Mekitar soube mais tarde por intermédio da Embaixada Armênia no Brasil, que seu irmão Marcos foi residir nos Estados Unidos, que sua irmã Margarida permaneceu na França e que sua mãe havia falecido na Rússia no ano de 1919.
Os Asturian e o genocídio
De acordo com Alan, Mekitar nunca incitou o ódio em seus filhos contra os turcos, porém esse assunto o deixava muito contristado, “pois ainda tinha gravado em sua memória todas as atrocidades cometidas contra sua família e concidadãos”. “Para os armênios e os não armênios com sede de justiça e interessados na verdade histórica, o centenário é uma data de profunda importância, pois marca cem anos de luta pelo reconhecimento da comunidade internacional e principalmente do atual governo turco”, enfatiza. Para o funcionário público “a Turquia diariamente reforça o genocídio perpetrado por seus antepassados contra os armênios através da negação. Além de negar que aconteceu esse fato, a Turquia proíbe com prisão os que fizerem alusão publicamente sobre o genocídio em seu território”, diz.
O centenário e o reconhecimento
De acordo com os Asturian, hoje, com mais contundência neste ano que marca o centenário, a principal luta de milhões de armênios e não armênios é pelo reconhecimento mundial das atrocidades cometidas pelos Jovens Turcos durante a I Guerra Mundial como um genocídio. “Pouco mais de vinte países reconhecem, o Brasil ainda não faz parte dessa lista. A Turquia possui aliados fortes economicamente e belicamente, devido a sua importância geopolítica, o que dificulta a pressão sobre ela para o reconhecimento”, pontua Alan. O jovem reforça ainda que conforme historiadores, o genocídio armênio foi o primeiro do século XX, abrindo caminho para outros terríveis fatos, como o holocausto Judeu durante a Segunda Guerra Mundial, bem como as políticas genocidas em Ruanda e Darfur.
Leia a edição do jornal na íntegra
22-4-15 – Quinta-Feira – Jornal Bom Dia
Genocídio Armênio: 100 anos desafiando o esquecimento
Adilson Asturian – filho de imigrante armênio
Alan Asturian – neto de imigrante armênio
“Quem ainda hoje fala do extermínio dos armênios?”. Publicada pela revista Times, essa foi a indagação proferida por Adolf Hitler em 1939 aos seus generais nas vésperas de invadir a Polônia e iniciar o Holocausto. Anos antes, em 24 de abril de 1915 a Turquia, governada pelos “Jovens Turcos”, iniciava uma política de extermínio ao povo armênio, que permanece convalidada pela posição atual da Turquia através da denegação.
A citação atribuída a Hitler, antes de iniciar suas barbáries, continua tão contemporânea quanto era durante a Segunda Guerra Mundial, afinal quem senão os armênios ainda falam? O impune “Genocídio Armênio” perpetrado pela Turquia, que conforme historiadores, abriu caminho para inúmeros acontecimentos, como Darfur, Ruanda e o holocausto judeu, continua no ‘rol dos esquecidos’.
A milenar Armênia é um país territorialmente pequeno localizado no Cáucaso, entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, fazendo fronteira com o Irã, Geórgia, Azerbaijão e Turquia. Foi o primeiro país a adotar oficialmente o cristianismo em 301, fundamental para fortalecer sua referência identitária, além de possuir um alfabeto próprio, principal responsável por manter a cultura e homogeneidade de seu povo.
Durante os anos de 1915 a 1923, a Turquia adotou uma política de “Pan-turanismo”, tentando unificar a região e ‘turquificar’ as minorias étnicas, porém a Armênia por ser comercialmente forte, intelectualizada e cristã tornou-se um grande obstáculo para esse propósito. A partir de então sob a cortina da I Guerra Mundial a Turquia iniciou uma política ordenada de massacre ao povo armênio.
Nesse período, os turcos saqueavam e roubavam, obrigavam homens, mulheres, idosos e crianças a marcharem no deserto até morrerem de inanição. Crianças eram atiradas ao Mar Negro, mulheres eram estupradas, muitos eram crucificados, outros trancafiados em Igrejas e queimados vivos, tantos outros pereceram em campos de trabalho forçado, ações que acarretaram o extermínio de mais de 1,5 milhão de armênios.
Atualmente, a Turquia nega que houve um plano de extermínio, não abre os arquivos da época para pesquisa e pune com prisão qualquer pessoa que mencionar ou fazer alusão ao genocídio. Por outro lado, a Armênia, que possui apenas 10% do seu território histórico, devido às invasões turcas, ainda está se reerguendo e “luta” pelo reconhecimento das inúmeras famílias que feneceram em menos de uma década.
Nesse ano, a comunidade armênia relembra o centenário do genocídio. O algoz armênio, por sua localização estratégica e poder econômico, dificulta a pressão de grandes potências pelo reconhecimento. Porém, nós armênios queremos apenas o acesso aos documentos da época e o reconhecimento oficial do governo turco sobre tal massacre que assombra e envergonha a Turquia. Abril de 2015, cem anos desafiando o esquecimento.
Parabéns Najaska Martins pela matéria.