Por Alia Malek, via The New York Times
Yerevan, Armênia – Na recém-inaugurada Escola Ciliciana em funcionamento na ex-República Soviética, os livros didáticos são em árabe, xerocados de um único exemplar salvo da conturbada Síria. O currículo, a bandeira na mesa do diretor, bem como os professores e os alunos são sírios.
Mas eles são também armênios, levados pela guerra civil na Síria a desenvolver uma noção de pátria-mãe que eles mal conheciam.
“Os que estão vindo claramente querem voltar”, diz a diretora da escola, Noura Pilibosyan, que veio de Alepo, Síria, no verão. “o armênio é nosso idioma, mas nossa cultura é síria. É duro vir para cá”.
Seus ancestrais fugiram do genocídio otomano [sic] no que é hoje a Turquia há quase um século atrás e prosperaram na Síria, criando uma das muitas minorias que por muito tempo tem coexistido por lá.
Agora, a fuga dos sírio-armênios – apenas um dos muitos desdobramentos pouco notados que podem remodelar países além dos vizinhos da Síria – está fomentando questões sobre o futuro da diversidade síria. E está forçando a Armênia, que depende de sua forte comunidade diaspórica para aumentar o seu escasso peso geopolítico, a fazer delicados cálculos para decidir se encoraja ou tenta frear o êxodo.
Por enquanto, a Armênia está evitando arriscar. O país está enviando ajuda para os armênios da Síria, auxiliando-os a permanecer por lá e sobreviver. Mas também há ajuda para esses irem para a Armênia, temporária ou permanentemente, por meio de vistos rapidamente emitidos, permissões de residência e cidadania (leia mais).
“Nossa política é ajudá-los da maneira que eles nos pedem para ajudar”, disse Vigen Sargsyan, chefe da equipe do presidente armênio, Serzh Sargsyan.
Cerca de seis mil armênios buscaram refúgio na Armênia como resultado dos conflitos em Alepo, a maior cidade síria, onde vivem aproximadamente 80 mil dos 120 mil armênios do país. Mais e mais chegam a cada semana, mesmo que alguns façam o caminho de volta, incapazes de se manterem em Yerevan ou de ficar longe de suas casas e negócios que deixaram abandonadas na Síria.
Os armênios são apenas um grupo dos muitos na crescente onda de refugiados sírios, cujos números podem alcançar 700 mil pessoas até o fim do ano, que rumarão principalmente para Turquia, Jordânia e Líbano. Porém, os armênios, ao contrário de outros sírios, podem facilmente obter uma nacionalidade alternativa e assim a Síria pode ter uma de suas mais vibrantes comunidades permanentemente diminuída.
Os sírio-armênios são reconhecidos pelo seu trabalho com ouro e prata e culinária requintada. Eles são também um elemento-chave na conexão da Síria com a Rússia e o ocidente, servindo como ponte com a diáspora armênia global. Alepo representa um dos últimos vestígios da Armênia Ocidental, que historicamente era dividida do que hoje é a Armênia pelo Monte Ararat, separação na qual os séculos trataram de dotar cada parte de diferentes culturas e línguas.
Os sírio-armênios tem se mantido oficialmente neutros na guerra civil na Síria, mas enquanto cristãos, muitos têm adotado cautela sobre a força dos rebeles islâmicos, os quais os armênios suspeitam ter apoio turco.
A Escola Ciliciana, com 250 estudantes, reflete a ambivalência dos sírio-armênios na Armênia: muitos querem retornar à sua existência em diáspora, mesmo quem tenham sido bem recebidos na sua histórica mãe-pátria.
“A Armênia sempre diz ‘volte para o seu lar’. Eles sempre nos pedem para voltar”, diz um homem que se identifica somente como Harout e estava visitando um novo clube sírio-armênio na capital Yerevan. “Honestamente, eu amo a Armênia, mas eu não deixaria a Síria. Eu estou rezando para voltar logo”.
Para a Armênia, a chegada dos sírios reacende um debate de como se relacionar com os armênios da diáspora: encorajá-los a imigrar ou mantê-los onde eles estão, dos EUA ao Oriente Médio, generosos em suas remessas e comprometidos com um lobby pró-interesses armênios.
Os defensores da imigração afirmam que o prejuízo da Síria pode ser o lucro da Armênia. O país não só quer proteger seus compatriotas, mas querem que os sírio-armênios – frequentemente habilidosos, ricos, educados e empreendedores – ajudem a fortalecer a economia pós-soviética, diminuindo a alta emigração e trazendo novas ideias.
“A diversidade só enriquece uma nação”, afirma Vahe Yacoubian, um advogado radicado na Califórnia que investe na Armênia e presta consultoria ao governo.
Assim, o governo está facilitando tal colonização. Sírios na Armênia podem usar a carteira de motorista síria, obter assistência médica gratuita e se matricular nas universidades. Grupos públicos e privados ajudam os sírio-armênios a encontrar emprego e transferir seus negócios para a Armênia.
Uma ruidosa minoria acometida pelo medo da violência na Síria – e pelas memórias do genocídio – foi incentivada por um objetivo nacional maior: o retorno de todos os armênios para o país.
“Essa é nossa terra – não é Los Angeles, nem Nova York, nem a Síria”, afirma Vartan Marashlyan, ex-membro do ministério da diáspora e diretor-executivo da Repat Armenia, uma organização fundada em Agosto de 2012 para “atuar ativamente” no que eles chamam de “repatriação” de armênios ao redor do mundo.
Os sírio-armênios que anseiam pela Síria “querem estar na Alepo de um ano atrás” estão percebendo que aquela coexistência pacífica pode não voltar, diz ele. Se referindo a estimativas de mortes do genocídio, ele acrescenta: “nós perdemos 1,5 milhão de pessoas por causa dessa mentalidade de que tudo iria acabar bem”.
Mas os sírio-armênios que sentem saudade de casa não encaram com facilidade essa mudança. Eles ponderam que nacionalistas como Marashlyan foram para a Armênia por opção, não obrigados pela violência.
“Eles querem colocar o rótulo ‘repatriado’ em mim”, afirma Harout Ekmanian, um jornalista sírio-armênio de Alepo. “Eu sou um sírio exilado”.
Poucos sírio-armênios deram atenção aos chamados anteriores de imigração, mesmo após a independência da Armênia junto a URSS em 1991. Eles se consideram sírios, falam árabe e armênio ocidental, não o idioma oriental corrente na Armênia.
Ainda assim, muitos contribuem com dinheiro a e apoio para a pátria-mãe, principalmente durante a guerra territorial contra o Azerbaijão que terminou em 1994, mas que ainda borbulha.
A Armênia, por sua vez, precisa da influência da sua diáspora no Oriente Médio para contornar tensões regionais, afirma Salpi Ghazarian, diretora da Civilitas Foundation em Yerevan e ex-funcionária do Ministério de Relações Exteriores. Ela diz que os armênios nos países árabes e Irã têm ajudado na disputa entre a Armênia, um país majoritariamente cristão, e o Azerbaijão muçulmano, o que dá a questão um caráter pan-muçulmano, mas força os governos a não tomarem partido.
A comunidade armênia de Teerã também promove o crucial comércio com o vizinho Irã, de acordo com a diretora. A Armênia está isolada e suas fronteiras com o Azerbaijão e Turquia estão fechadas, fazendo do Irã a tábua de salvação. “Se essas comunidades desaparecerem, as relações humanas desaparecerão”, segundo Ghazarian. “Ficaremos sem nossos bons amigos”.
A Armênia mantém sua neutralidade sobre os acontecimentos na Síria e trabalha duro para ajudar as pessoas que ainda estão no conflito. Nos últimos meses, três aviões de cargo com mantimentos e donativos de armênios voaram de Yerevan para Alepo após intensas negociações tanto com a Síria, que limitou severamente ajuda externa, quanto com a Turquia, que normalmente proíbe aviões cargueiros armênios de seu espaço aéreo.
A ajuda foi distribuída nos bairros armênios, mas sem distinguir seitas ou etnias que a receberia. “Nós consideramos a Síria nossa vizinha”, afirma Vahan Hovhannisyan, membro do parlamento que supervisionou a operação. Os armênios são “gratos a Síria”, de acordo com ele, porque após o genocídio “a Síria lhes devolveu a vida”.
O governo sabe que a Síria é o único lar que muitas gerações de sírio-armênios conhece. O currículo da Escola Ciliciana Síria foi aprovado, bem com como a instrução em armênio ocidental. Um partido político armênio cobre os custos e a matrícula é grátis.
“Eles sentem que a Síria é o seu lar”, nas palavras de Amalia Qocharyan, uma educadora armênia. “Mas na realidade eles tem duas pátrias, Síria e Armênia”. Na escola, quando os alunos de uma classe de sétimo ano são perguntados quem sente saudade da Síria, eles respondem uníssonos, em árabe: “Ana”, ou seja, “Eu”.
Perguntados sobre a vida em Yerevan, eles ficam mais quietos. Eles dizem sentir falta de suas casas e amigos; um diz não se sentir bem vendo imagens das batalhas em Alepo. “Em Alepo, eu costumava ver a bandeira da Armênia e eu queria ir para lá”, diz Vana, de 11 anos. “Aqui, quando eu vejo a bandeira da Síria, eu só penso em ir para casa”.
[Esse artigo foi financiado em parte por uma bolsa Pulitzer Center on Crisis Reporting.]