por Moises Carrasco
Numa época em que grande parte da arquitetura global parece desconectada da identidade local, o trabalho de Rafayel Israelyan se destaca por estar profundamente enraizado no lugar, na cultura e na memória. Atuando na Armênia em meados do século XX, Israelyan criou uma arquitetura que ia além do funcional ou monumental; ela era culturalmente resiliente.
O uso de temas, materiais e formas simbólicas tradicionais armênios deu a seus projetos uma segunda vida após a queda da União Soviética, período em que muitos edifícios nos estados pós-soviéticos foram abandonados ou demolidos. A Armênia, por outro lado, preservou muitas de suas obras. Isso se deve, provavelmente, ao fato de sua abordagem de design não só atender a um momento específico no tempo, mas também contar uma história maior. Muito antes de conceitos como sustentabilidade ou regionalismo crítico se tornarem populares, Israelyan compreendeu que os edifícios ganham significado e longevidade quando refletem a identidade e as características específicas de seu lugar.
Israelyan se mudou para Yerevan, capital da Armênia, em 1936, após estudar arquitetura na Academia Estatal de Artes da Geórgia, e depois no Instituto de Edificações Comunitárias de Leningrado e no Instituto Ilya Repin de Pintura, Escultura e Arquitetura de Leningrado.
Sua chegada coincidiu com o falecimento de Aleksandr Tamanian, o arquiteto responsável pelo plano diretor de Yerevan e figura-chave na formação da arquitetura armênia moderna. A ênfase de Tamanian em formas neoclássicas mescladas com tradições locais influenciou o jovem Israelyan, que na época começou a trabalhar nos mesmos círculos arquitetônicos e instituições estatais onde Tamanian havia sido uma figura proeminente.
Israelyan pode ser visto como um seguidor de Tamanian. Essa influência o ajudou a estabelecer as bases de sua filosofia: edifícios que falam a própria língua da Armênia.
- Pedras de tufo e basalto extraídas de pedreiras locais;
- Layouts espaciais que remetem a igrejas e fortalezas medievais;
- Símbolos esculpidos que fazem referência a mitos nacionais e história compartilhada.
Todos eram elementos estratégicos que serviam para ancorar seus edifícios na tradição e, assim, contribuir para sua resiliência. Para Israelyan, construir na Armênia era uma carta de amor ao seu país, com a memória do genocídio armênio moldando sua mentalidade em prol da restauração da identidade cultural.

Para desenvolver essa linguagem arquitetônica, Israelyan realizou uma pesquisa aprofundada sobre os símbolos e tradições culturais de seu país. Uma de suas mais importantes fontes de inspiração foi o khachkar, as intrincadas pedras cruzadas esculpidas.
A partir da década de 1940, Israelyan fez um extenso trabalho de campo, percorrendo o país para documentar e esboçar essas formas vernáculas. Isso formou sua prática de projeto, ajudando-o a reinterpretar formas históricas para funções contemporâneas por meio da abstração de sua linguagem. Como resultado, suas estruturas frequentemente escalonavam esses elementos tradicionais para uso em projetos cívicos e memoriais.
O pedestal do Monumento Mãe Armênia em Yerevan é um exemplo dessa influência cultural. Originalmente construído em 1950 para sustentar uma estátua de Stalin, a base de três andares foi projetada como uma basílica secular, emprestando o vocabulário arquitetônico das estruturas religiosas locais. Em 1962, devido a mudanças na política soviética e um esforço mais amplo para se afastar da iconografia totalitária, a estátua de Stalin foi removida, mas o pedestal permaneceu. Ele foi reaproveitado para abrigar a estátua da Mãe Armênia, uma figura nacional de força e continuidade, esculpida por Ara Harutyunyan em 1967. A segunda vida do monumento foi possível porque sua linguagem arquitetônica já era armênia.

Enquanto trabalhava sob o domínio soviético, seus edifícios cumpriam os requisitos de obras públicas monumentais, mas carregavam um caráter nacional distinto. Esse tipo de adaptabilidade sugere que edifícios que refletem a cultura e os materiais de um lugar têm maior probabilidade de sobreviver a mudanças sociais, políticas e ambientais.
Nesse sentido, é possível argumentar que sua abordagem evoca as ideias do regionalismo crítico. Embora o termo tenha surgido na década de 1980, o trabalho de Israelyan décadas antes demonstra muitos de seus princípios centrais ao resistir à descaracterização do lugar e buscar um equilíbrio entre o universal e o particular, além de favorecer edifícios que são responsivos tanto às necessidades modernas quanto às realidades locais. Assim, o trabalho de Israelyan levanta uma questão crucial: a arquitetura pode resistir à obsolescência estando profundamente ligada ao seu lugar?
O Complexo Memorial Sardarapat, inaugurado em 1968, comemora uma batalha na qual as forças armênias detiveram um avanço turco. Este monumento é outra obra soviética que superou seu contexto político, e exemplifica os princípios arquitetônicos de Israelyan. Construído em tufo vulcânico vermelho, Israelyan colaborou com os escultores Ara Harutyunyan, Arsham Shahinyan e Sambel Minasyan. O complexo apresenta dois bois alados na entrada, uma imponente torre sineira e águias monumentais ao longo do perímetro, todos fazendo referência à mitologia armênia e ao simbolismo nacional.
De modo similar, sua contribuição para o projeto da Catedral de St. Vartan em Nova York, em colaboração com Walker O. Cain da firma nova-iorquina Steinman, Cain & White, demonstra como o uso da linguagem arquitetônica armênia (cúpulas, detalhes em pedra e forma simbólica) permite o reconhecimento imediato da identidade cultural, mesmo em um contexto de diáspora. Em ambos os casos, a arquitetura não é apenas simbólica, mas experiencial, atraindo os usuários para uma narrativa que conecta o espaço físico com a memória cultural.
A abordagem de Israelyan contém várias lições interessantes para arquitetos e planejadores de hoje:
Ênfase no Local: Usar materiais, formas e símbolos que derivam e dialogam com o lugar pode garantir a ressonância com a comunidade e maior relevância ao longo do tempo.

Capacidade de Mudança da Arquitetura: Edifícios projetados com significado cultural embutido podem apresentar resiliência diante de mudanças políticas, oferecendo valor através da representação de comunidades e tradições culturais profundamente arraigadas, e não por meio de mensagens políticas ostensivas.
Conectando o Monumental e a Escala Humana: Edifícios públicos e memoriais podem ser monumentais, mas ainda assim ligar a escala humana ao épico.
Edifícios como Guardiões da Memória: Quando projetados com intenção, os edifícios podem narrar e preservar, transcendendo a mera função para reter a memória.
Alguns podem argumentar que esse tipo de design exige trabalho intensivo e artesanato, o que pode aumentar os custos. Embora seja verdade até certo ponto, tecnologias emergentes como fabricação robótica e modelagem digital oferecem novas possibilidades para reintroduzir, de forma custo-eficaz, um grau de artesanato e especificidade cultural.
O simbolismo tradicional pode ser reinventado por meio de software, produzindo detalhes pré-fabricados que reconectam edifícios ao lugar sem reverter a métodos antigos. Projetos como a restauração do prédio do parlamento de Ottawa, no Canadá, podem servir como estudos de caso de como projetar estratégias para ampliar esses processos e possivelmente transformar essa ideia em realidade.
Neste ano, para a Bienal de Veneza de 2025, o Pavilhão Armênio explora este tema. “Microarquitetura Através da IA: Criando Novas Memórias com Monumentos Antigos” é uma exposição que utiliza um modelo de IA generativa treinado no Armenian Heritage Scanning Project desenvolvido pela TUMO, um arquivo abrangente de locais arquitetônicos armênios digitalizados. A IA, então, abstrai as formas históricas, e os resultados podem ser traduzidos para a forma física ao serem esculpidos em pedra tufo. A exposição considera a IA não apenas como uma ferramenta de replicação, mas como um meio que pode impulsionar variação, anomalia e novas narrativas.
Nesse sentido, o trabalho de Israelyan permanece relevante não apenas como patrimônio, mas como estratégia de design. Ele demonstra como a arquitetura pode servir tanto ao presente quanto ao futuro quando enraizada na identidade. Seus edifícios perduram não só por serem estruturalmente sólidos, mas também por estarem culturalmente fundamentados. Eles sugerem que a arquitetura não precisa escolher entre modernidade e tradição; ela pode operar em diálogo com ambas.