A relação entre o primeiro-ministro da Armênia, Nikol Pashinyan, e a Igreja Apostólica Armênia atingiu um novo patamar de hostilidade, com trocas de acusações pessoais, alegações de golpe e um embate público que reflete divisões profundas na sociedade armênia. O conflito, que se arrasta desde a derrota na guerra de 2020 contra o Azerbaijão, ganhou contornos dramáticos nos últimos meses, envolvendo desde ataques verbais até prisões de figuras proeminentes da oposição e do clero.
Pashinyan acusou o líder supremo da Igreja Armênia, Catholicos Karekin II, de violar seu voto de celibato e ter um filho, exigindo sua renúncia. Embora não tenha apresentado provas concretas, o primeiro-ministro ameaça revelar detalhes caso Karekin II continuasse como líder. A Igreja negou as acusações, classificando-as como uma tentativa de silenciar críticas ao governo, especialmente em meio às negociações de paz com o Azerbaijão, que envolvem perigosas concessões aos azeris.
O tom do conflito chegou a níveis inéditos nessa semana quando um padre, Zareh Ashuryan, acusou Pashinyan de ser circuncidado — insinuando que ele não era um cristão legítimo — e o comparou a Judas. Em resposta, Pashinyan ofereceu-se para “provar o contrário” ao afirmar estar disposto a mostrar seu pênis ao Catholicos Karekin II, em um episódio que viralizou nas redes sociais pelo absurdo da proposta.
A tensão escalou ainda mais com a prisão do arcebispo Bagrat Galstanyan, uma figura central nos protestos contra Pashinyan em 2024. Galstanyan, que liderou manifestações contra a cessão de territórios ao Azerbaijão, foi detido em junho de 2025 sob a acusação de planejar um golpe de Estado. Autoridades alegaram que ele e aliados estocaram armas e planejavam ataques para desestabilizar o governo.
O governo também prendeu o bilionário russo-armênio Samvel Karapetyan, crítico ferrenho de Pashinyan e defensor da Igreja. Karapetyan foi acusado de incitar a derrubada do governo após declarar apoio ao Catholicos Karekin II. Pashinyan ainda se mobilizou para nacionalizar a empresa de energia controlada por Karapetyan, aumentando as tensões com a Rússia, que criticou a medida.
Analistas sugerem que o ataque de Pashinyan à Igreja tem motivações políticas. Com eleições marcadas para 2026, o primeiro-ministro busca enfraquecer uma das principais vozes da oposição, que rejeita sua agenda de reconciliação com o Azerbaijão e a possível revisão constitucional exigida por Baku. A Igreja, por sua vez, tornou-se um símbolo de resistência para os armênios descontentes com as concessões territoriais e a perda de Nagorno-Karabakh em 2023.
A Igreja Apostólica Armênia desempenhou um papel central na resistência e na preservação da identidade nacional armênia ao longo dos séculos, atuando não apenas como instituição religiosa, mas também como símbolo de unidade e mobilização política. Um dos exemplos mais marcantes ocorreu durante a Batalha de Sardarabad (1918), quando a Igreja, liderada pelo Catholicos Gevorg V, mobilizou a população para defender a Armênia contra o avanço otomano, que ameaçava exterminar o que restava do território armênio após o Genocídio de 1915. Campanhas de recrutamento foram organizadas a partir de mosteiros, e clérigos participaram diretamente da resistência, enquanto sinos de igrejas tocavam para convocar a população à luta. Essa batalha, vencida pelos armênios, foi decisiva para a criação da Primeira República da Armênia e evitou a aniquilação total da nação. Além disso, a Igreja manteve sua influência em outros momentos críticos, como na resistência contra a perseguição persa no século V (Batalha de Avarair) e na organização da diáspora após o Genocídio, reforçando seu papel como guardiã da cultura, da fé e da soberania armênia.
O embate entre Pashinyan e a Igreja Armênia vai além de uma disputa política — é uma batalha pela identidade nacional em um momento crítico para o país. Enquanto o governo busca consolidar seu poder e avançar na política de concessão com o Azerbaijão, a Igreja resiste como guardiã dos interesses da população armênia. O desfecho desse conflito pode definir não apenas o futuro político de Pashinyan, mas também o rumo do país no cenário regional.