“Não acredito que demos a ‘esse’ povo um quarteirão inteiro em Jerusalém.”
Essas foram as palavras de um comentarista da KAN11 (emissora que representa Israel no Eurovision) após a apresentação de Survivor, música interpretada pelo armênio Parg, durante a primeira semi-final da competição.
O ataque dos comentaristas à Parg passou desapercebido pela União Europeia de Radiodifusão (EBU) que emitiu uma advertência aos comentaristas da RTVE (Espanha) por terem criticado os ataques à palestinos durante a apresentação de Israel no mesmo dia.
A KAN11 emitiu uma nota pedindo desculpas pelo comentário feito em “ambiente descontraído” de transmissão, alegando que não tinham intenção de ofender. A desculpa, porém, não convenceu a comunidade armênia, que vê na fala um desrespeito histórico a um povo que há séculos mantém presença em Jerusalém.
Parg conquistou a oportunidade de participar do Eurovision 2025 ao vencer a seletiva nacional ‘Depi Evratesil’ em fevereiro. A música Survivor contêm diversas referências à resiliência dos armênios após os ataques azeris de 2020. O artista avançou para a final e terminou em 20º lugar na votação geral.
Não é a única das polêmicas de Israel nesta edição. O país, que intensificou os ataques à população civil da Palestina desde 2023, tem investido pesado em propaganda governamental para encobrir as mortes em Gaza, e o Eurovision é uma plataforma gigante.
Assim como em 2024, o Ministério de Relações Exteriores israelense financiou propagandas no Youtube e Instagram pedindo votos para seus representantes. Desde 2024, o Eurovision passou a aceitar votos online (limitados a 20 votos por cartão de crédito, a 0.99€ cada) o que permitiu que pessoas com múltiplos cartões votassem diversas vezes. O resultado foi uma disparidade entre os votos do júri técnico e do público, principalmente se comparado com os “charts” de músicas mais ouvidas em grandes plataformas como Spotify e Youtube.
Em 2024, Eden Golan representou Israel com Hurricane. A música foi alterada após a EBU encontrar conteúdo político na letra e na apresentação. Apesar de não figurar entre as músicas mais ouvidas da competição no ano e de ter as vaias do público silenciadas pela produção durante a apresentação, Hurricane ganhou 323 pontos do público, apenas 14 a menos do que a Croácia que ficou com o segundo lugar na soma dos votos. Nos votos do juri Israel ganhou apenas 52 pontos, ficando na quinta posição no resultado geral.
Em 2025 a história se repetiu. Mesmo não figurando entre as 10 músicas da competição mais ouvidas pelo público e sendo recebida com vaias durante as apresentações, Yuval Raphael e sua música New Day Will Rise conseguiram absurdos 297 pontos do público, 39 a mais do que a segunda colocada Estônia (que lidera com folga as paradas musicais europeias). Não fosse os votos do juri (que é composto de musicistas de todos os países participantes) Yuval teria levado o troféu e ganho o direito de sediar a próxima edição, mas ambos os prêmios foram para JJ, representante da Áustria.
Israel não recebeu um único ponto da Armênia em 2025 – nem do júri, nem do público, nem na semifinal, nem na grande final.
Diversos dos países que participam do Eurovision se manifestaram após os resultados da final, exigindo que haja uma auditoria na forma que os votos do público são computados e buscando indícios de manipulação de Israel. O Primeiro Ministro da Espanha, Pedro Sánchez, pediu a expulsão do país da competição assim como aconteceu com a Rússia após a invasão na Ucrânia em 2022.
O Eurovision 2025 escancarou, mais uma vez, como o evento é politizado. Enquanto a EBU tenta manter uma fachada de neutralidade, casos como o da KAN11 contra a Armênia e a suspeita de manipulação de votos mostram que, por trás dos holofotes, as disputas geopolíticas continuam ditando o jogo.
A grande incógnita para as próximas edições é: a EBU tomará alguma atitude concreta, ou seguirá aplicando regras de forma seletiva?