Da RedaçãoTudo

Uma breve história de quem fez muita falta na porta do consulado turco em SP

Por Sarkis Kalaydjian:

Finalmente terminamos mais um mês de abril e, diferentemente dos outros, desta vez o mundo ecoava em uníssono o reconhecimento do Genocídio Armênio sob o som dos protestos do povo Armênio.

Do Vaticano não apenas o Papa Francisco se tornava mais um Armênio, como também dava a oportunidade aos dois papas supremos de nosso povo, Aram I (Catholicos da Grande Casa da Cilícia) e Karekin II (Catholicos de Todos os Armênios), de ecoar o som de protesto centenário. Um acontecimento que trouxe lágrimas de êxtase em  nossos olhos.

Tro Kalaydjian de 7 anos. Foto: Douglas Asarian
Tro Kalaydjian de 7 anos.
Foto: Douglas Asarian

Exatamente nestes dias, quando eu adentrava a Igreja Apostólica Armênia e testemunhava a cerimônia inspiradora de Hokihankisd ( descanso às almas), estavam sobre nosso altar como sempre, entes muito queridos. Com uma comoção paternal infinita, eu acompanhava a participação de um dos meus dois filhos, mais especificamente do primogênito Trô, de 7 anos, nesta cerimônia litúrgica tão importante.

A mensagem do padre Yeznig Guzelian era emocionante e transmitia a palavra apropriada do dia para os fiéis. O número de presentes parecia representar um outro patamar de nossa identidade nacional.

Logo passei a observar do outro lado o monumento aos Mártires Armênios, que teve sua reforma patrocinada pela família Kissadjikian. Aliás, congratulo á todos os patriotas como Kissadjikian, Burmaian, Karamekian e diversas outras famílias que dispuseram fundos de forma tão generosa para imortalizar a memória de nossos mártires neste centenário. Murmurei e contemplei a passagem junto com os fiéis até o outro lado, até o citado monumento.

Lá deu-se início à cerimônia de lembrança, tão profunda. A parte seguinte, na verdade, era a leitura da declaração (Pan Armênia) que nasceu dos anseios das autoridades da Armênia e do povo da diáspora, e que se aprofundava em duas palavras: Eu lembro e Reivindico! Duas palavras conhecidas que, para cada compatriota, hoje soam tão íntimas quanto o Santo Pai Nosso.

Infelizmente, este estado de espírito positivo logo me fugia, pois durante os anúncios realizados, de repente se esqueciam de anunciar a Marcha por Justiça, uma das partes mais importantes do “Lembro e Reivindico” e que ocorre no mundo todo. Que contradição… Uma série de sensações revoltantes tomaram conta do meu ser. Como ignorar a expressão mais sincera dos reclamos armênios? Como silenciar a mãe decapitada ? A irmã violentada e a criança faminta, que queriam se expressar através de cada um de nós?

A Cerimônia chegava ao fim e as pessoas novamente passavam ao outro lado, em direção à igreja, para participarem do almoço em memória das almas ( Hokedjash). Nenhum compatriota entrava nos ônibus que o CNA Brasil disponibilizara para a marcha.

Uma montanha de tristeza desabava sobre meus ombros, como se o povo Armênio mais uma vez estivesse sendo massacrado perante meus próprios olhos. De repente, o espírito de nossos mártires era o que me levantava e murmurava assim: “o trabalho de seus companheiros não é em vão e somos nós quem vamos acompanhar vocês até onde vocês decidiram refrescar a memória do inimigo, de que não apenas a obra de seus antepassados falhou, como também a dos descendentes nesta política atual.”

Logo em seguida, os ônibus se enchiam rapidamente com nossos compatriotas ativistas prontos para reivindicar. Seria possível mudar tão rapidamente a realidade que se apresentava?

Sarkis Kalaydjian à direita
Sarkis Kalaydjian à direita

Logo que chegamos ao consulado turco, me empolguei ainda mais com a imagem que testemunhei. Muitos já se encontravam lá por seus meios próprios. Estavam presentes tanto as avós como as crianças armênias.

Juntou-se à nós o coral Vahakn Minassian do Clube Armênio, trazendo uma outra onda de felicidade dentro de mim, além dos atores do “Espetáculo 1915”. A marcha já era um sucesso!

Tínhamos ali quatro gerações. A sucessão de gerações tão simbólica não poderia ter se realizado sem o planejamento dos partidos políticos e da nossa igreja em toda extensão da diáspora, mas esta última não estava lá… Faltavam os líderes espirituais de minha comunidade.

Não estavam lá no início e nem sequer no final, quando terminamos nossa Marcha reivindicatória com o Hayr Mer (Pai Nosso) causando a admiração e conquistando o respeito das forças policiais e dos cidadãos presentes e que passavam pelo local.

Diferentemente do que ocorreu nos quatro cantos do mundoas marchas foram conduzidas pelos corpos religiosos locais que se uniram à voz de revolta do povo. Nós fomos privados das bênçãos paternais das nossas igrejas (Apostólica, Católica, Evangélica Central e Irmãos armênios) bem como do apoio dos representantes da Armênia no Brasil.

No dia 24 de abril, a inauguração de uma placa memorial, e os passos que manifestam gratidão para com os diplomatas, fizeram parte da programação geral oficial, mas não, claramente não às custas de ignorarmos a marcha reivindicatória, a Marcha por Justiça.

Poderíamos ter nos apresentado com força duplamente maior perante à bandeira turca, e duplamente mais organizados como comunidade aos olhos da nossa tão querida república do Brasil. Porque em cidades como Buenos Aires, Córdoba e Nova York milhares de armênios participam destas manifestações? Será que eles são verdadeiros armênios e nós os parciais? Será que naqueles países a postura de nossa igreja e do estado são diferentes com relação à reivindicação no geral?

Patriotismo, identidade nacional, sentimento de pertencer a uma cultura milenar que tem uma língua tão importante, são as armas que levam o trabalho mais sincero ao sucesso e a reinvindicação está intrinsicamente ligada a estes valores. Se falharmos nestes trabalhos da língua e da cultura, nossas próximas gerações não participarão nem de cerimonias in memorian, nem respeitarão as datas históricas, nem haverão reivindicações.

A Igreja tem que reencontrar seus papéis na realidade da Comunidade Armênia do Brasil. A decisão é de todos nós. Eu e os companheiros que pensam como eu, estendemos nossa mãos em reverência e com respeito.

Este texto representa o protesto e o ponto de vista de Sarkis Kalaydjian e não necessariamente o do Portal Estação Armênia.

Veja algumas imagens da Marcha por Justiça, abaixo:


Texto em armênio transliterado:

Abril amees me yeves poloretseenk. Ee darperutyun ureeshneru, ays ankam ashkarh me ampoghtchutyamp gartsakanker Hay joghovurtyee bahanchadeerutyan tsayneen.

Krisdoneyutyan srpavayr Hromen, Srpazan kahanayabede voch te myain ge hayanar, ayl arreete gudar mer joghovurtee hokevor arachnortnerun, hnchetsenelu mer joghovrtee haryuramaya poghokee tsayne. Yeghelutyun me vor hrjvankee artsunkov ge trcher mer poloreen achkere.

Sheedag ays orerun e vor mudk ge kordzeyee Hay Arakelagan Yegeghetsee yev aganadese gellayee hokehanksdyan khorhrtavor araroghutyan. Surp khoranee vra eyeen inchbes mishd, indzi hamar shad me sireliner. Hayragan ansahman nerchenchumov ge hedeveyee eem yotnamya zavagees Tro-yee masnagtsutyan as garevor yegeghetsagan araroghutyan. Aztetseeg er Der Yeznigee badkame vor ge hacogher orva badkame pokhantser nerganerun.

Pazmutyune gardzes ureesh chapaneesh me ge nergayatsener mer joghovurtee azkayeen keedagtsutyan mech. Shudov gantsneyeenk myus goghm. Kissadjikian undaneekee goghme, veranorokvadz tseghasbanutyan hushamadyaneen artchev. Vartske gadar polor ayn hayorteenerun, inchbes Kissadjikian, Burmayan, Karamekian, yev shad me ureessh undaneekneru, voronk eerents ksage layn patseen yev dramatretseen mer nahadagneru heeshadage anmahatsenelu kordzeen ge mrmncheyee yev ge hedeveyee mer joghovurtee antsman tebee myus goghm, tebee hushartsan.

Yev gsgser heeshadagman araroghutyune, aynkan khorhertavor. Araroghutyan hachortogh pajeene eeraganutyan mech ardatsolumen er mer hayreni eeshkhanutyunneru dznunt dvadz hrtchagakreen vor ge khdanar yergu pareru mech, ge heeshem yev ge bahanchem. Yergu harazad parer voronk yurakanchur azkayeene hamar, ays orerun nuynkan harazad ge hnchen vorkan mer Surp Hayr Mere. Tshpakhdapar ays tragan hokeveejage shudov pakhusd gudar intsme.

Haydararvadz tsernargneru sharkeen mech hangardz ge mortsver bahanchadeerutyan tsuytse. Inch hagasutyun… bortgumee zkatsumneru ampoghtch shark me ge khujer meedkes. Inchbes andesel hayots hrtchagakeere ardatsologh amenen harazad ardahaydutyunneren mege, bahanchadeerutyan tsuytse. Inchbes lretsenel klkhadvadz mor, pernaparvadz krotch, yev sovamah yeghadz badaneeyeen khoske, voronk guzeyeen ardahaydveel mer untmechen. Tsernarge ge hasner eer avardeen yev joghovurte tartsyal gantsner myus goghm, yegeghetsee, mas gazmelu hamar badrasdvadz hokejasheen.Voch meg hayortee mudk ge kordzer mer dramatradz hanragarkerun mech.

Dkhrutyan ler me ge choker userus. Gardzes Hay joghovurte tartsyal ge tchartver eem achkerus teemats.Hangardz, nahadagnerun vokeen er vor ge partsratsener ints yev ge pspsar, Ku ungernerut kordze eezur che yev menk e vor bidi ungeragtseenk tsez minchev hon oor

voroshadz ek heeshstsenel tshnameeyeen, vor voch te myain eerents nakhneenere tsakhoghadz en, aylev anonk voronk chahageernere en ayt kaghakaganutyan aysor. Shad chantsadz hanragarkere shudov ge letsveyeen mer bahanchader hayorteenerov. Artyok gareli er askan arak barzvadz eeraganutune pokhel…

Shudov ge hasneyeenk trkagan hyubadosaran, yev aveli yeves ge hrjveyee nergayatsvadz badgerov. Shader arten hon eyeen eerents antsnagan meechotsnerov. Nerga eyeen yev Hay badaneen yev mameege. Shudov mez gengeranar haygagan agumpee yerkchakhumpe khantavarutyan ooreesh aleek me partsratsenelov meches. Tsuytse arten hachoghadz er.

Nerga eyeen tchors seruntner. Serntapokhutyan tereves lavakuyn ardahaydutyune, vor angareli Gellar eeraganatsenel arants mer kaghakagan gazmagerbutyunneru yev mer AZKAYEEN yegeghetsvo goghme mshagvadz dzrakreernerun yev anngun gamkeen. Paits… hon cheyeen. Ge patsagayeyeen mer sireli hoveevnere. Hon cheyeen sgeezpe yev hon cheyeen avardeen yerp hayr merov gavardeyeenk bahanchadeeragan tsuytse harkank yev hmayk badjarelov vosdeeganagan ujerun. Ge patsagayer nayev meg shad garevor hankamank. Mer aynkan sireli hanrabedutyan nergayatsutseetchneru hovanavorutyune. Ee darperutuyun ardasahmanee polor angyunneru mech deghee unetsadz tsuytseru, ur mer hanrabedutyan nergayatsutseechneru hovaneeyeen nerko, hay yegeghetsagannere arachnortetseen joghovurte yev myatsan poghokee tsayneen, menk zrgvadz eyeenk yev hayragan orhnutenen yev hayrenikee nergayatsutseetchneru achagtsutyunen.

Abril 24-ee haryuramyageen, yev hushadkhdagee me patsman araroghutyune vore deghee chunetsav, yev odar teevanakedneru yerakhdakeedutyun haydnogh kaylere mas ge gazmen unthanur dzrakreen, paits voch, yev voch bahanchadeeragan tsuytse khapanelu knov. Yergu ankam aveli zoravor gernayeenk nergayanal mer charterun aganades yeghogh Trkagan trosheen artchev yev yergu ankam aveli zoravor vorbes gazmagerbvadz kaghut mer shad sireli hanrabedutyan achkeen.

Tche vor asonk al mas ge gazmen unthanur hashveen,Havakaganutyun yev eer nergayatsutsadz uje dvyal yergreen mech. Inchu hamar Buenos Aires, Cordoba, yev New Yorkee mech dasnyag hazaravor hayer ge masnagtseen ayt tsuytserun. Artyok eerenk eesgagan hayer en yev menk masnagee. Artyok ays yergerneru mech darper e mer bedutyan yev mer yegeghetsvo getsvatske unthanrabes bahanchadeerutyan ngadmamp. Azkayeen eenknutyun, badganelyutyun, badmutyun,mshaguyt yev lezu. Ahavaseeg ayn grvannere vor serntapokhutyan kordze hachoghutyamp ge bsagen, yev bahanchadeerutyune ankagdelyoren shaghgabvadz e ays arjeknerun. Yete tsakhogheenk ays kordzeen mech, mez hachortoghnere voch hushadakhdagee me patsman araroghutyan bidi masnagtseen, voch odar teevanakedner bidi badven yev voch al bahanchader bidi ellan. Yegeghetsee, bedutyun, yev azkayeen eshkhanutyunner bedk e verakdnen eerents tere Brazilee hay eeraganutyan mech.

Voroshume mer poloreennen e. Yes yev ints nmannere khonarh yev harkankov mer tserkere gergarenk.

Sako Kalaydjian

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