Atenção, artigo escrito em julho de 2014!
Acompanhei ontem grande parte da sabatina feita por alguns meios de comunicação com a Presidente Dilma Rousseff. Lá pelas tantas, a questão Israel-Palestina surgiu e as opiniões sobre os tristes fatos ocorridos fez com que a Presidente exprimisse uma opinião que de imediato me chamou a atenção:
“Eu acho que o que está ocorrendo na Faixa de Gaza é uma coisa perigosa. Não acho que é genocídio, mas acho que é um massacre. Não há genocídio, mas ação desproporcional.”.
Fiquei refletindo sobre a possibilidade de escrever mais um artigo sobre o tema do Genocídio Armênio e se isso seria oportunidade ou oportunismo. Hoje, cheguei a conclusão que é uma oportunidade, ao ler os “grande matutinos”.
Muitos diplomatas e especialistas brasileiros consultados concordam com nossa mandatária. Já imaginava que funcionários graduados e tão bem preparados tivessem conhecimento dessa nomenclatura das tragédias humanas e então refleti com meus botões: se eles sabem, no amplo e estrito sentido, estão prontos então para reconhecer o genocídio armênio!
A palavra genocídio foi criada pelo advogado Raphael Lemkin, judeu nascido na Polônia, poliglota, formado em Direito com sólida formação filosófica. Seus trabalhos de pesquisa focados em crimes contra a humanidade passaram a ter uma outra dimensão quando conheceu o crime contra o povo armênio e contra outros povos, marcados pela premeditação e crueldade.
Foi assim que ele cunhou o termo genocídio (originado do prefixo grego génos que significa grupo, tribo, raça, família; e do sufixo latino cīdere – matar) e passou a lutar para que esse tipo de atrocidade fosse evitado em escala global.
Seus esforços foram potencializados pelo Holocausto na Segunda Guerra Mundial, uma das mais horripilantes páginas da história da humanidade. A ONU aprovou em 9 de dezembro de 1948 em Paris, a Convenção para Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio.
O artigo II da Convenção diz:
Art. II – Na presente Convenção, entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tal como:
(a)assassinato de membros do grupo;
(b) dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
(c) submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial;
(d) medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
(e) transferência forçada de menores do grupo para outro grupo.
O Brasil se transformou em um signatário da convenção ao promulgar o decreto 30.822 de 6 de maio de 1952.
A ideologização polarizadora da Guerra Fria (1945-1991), e outros fatores que explorarei em outra oportunidade, impediram que a prática dessa Convenção no Direito Internacional fosse mais contundente (prevenção, identificação, punição). No Brasil a conjuntura interna e externa levou o grande jurista, Heleno Fragoso, a criticar os ditames da Convenção em um artigo publicado na Revista de Direito Penal em 1973. Na página 27 ele diz:
“ O mais grave defeito da convenção foi o de não ter estabelecido a jurisdição internacional para o julgamento desses crimes, com a criação de um tribunal internacional permanente. Sem a criação de uma corte dessa natureza, a punição dos governantes será sempre quimérica”.
Não tenho nem conhecimento nem capacidade para medir a força de um Heleno Fragoso na formação do ideário dos juristas brasileiros. Só sei que ele é importante e escritos como esses talvez tenham colocado o tema do genocídio meio de lado para o conjunto daqueles que se envolvem com o assunto.
Intuitivamente, acredito que na fase de redemocratização do Brasil (1984-1988) perdemos uma ótima oportunidade para lutar pelo reconhecimento do genocídio armênio e reativar o interesse em preveni-lo em escala global. Mas, como dizem, águas passadas não movem moinhos.
Para encerrar esse artigo lembro que em 1993 um bando de garimpeiros brasileiros massacrou 12 indígenas da comunidade Yanomami Haximu na fronteira do Brasil com a Venezuela. A sentença final do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2006 condena os garimpeiros por crime de genocídio. O assunto voltou a tona ano passado quando as tensões voltaram a surgir na região e mais uma vez se falou na ameaça de um genocídio contra a nação Yanomami.
O Brasil sabe o que é um genocídio. Mas e o genocídio armênio? Qualquer que seja o governante eleito que tome posse em 2015 deve assumir o compromisso de reconhecer o genocídio armênio no ano de seu centenário.
Deixo aqui um vídeo com as imagens e a voz do gigante Raphael Lemkin para que todos lembrem do genocídio armênio. Se o criador do termo reconhece, quem somos nós para não reconhecer?
****James Onnig Tamdjian é colunista do Estação Armênia e suas opiniões não refletem necessariamente às do portal.