Por Raffi Kassarjian e Avetik Chalabyan
No começo de 2009, quando um grupo de profissionais armênios com ideias em comum se reuniram em Yerevan para discutir nossas prioridades para a Armênia em meio à crise econômica mundial, nós nos perguntamos: do que a Armênia moderna mais precisa e onde nós poderíamos concentrar nossos esforços e nossos escassos recursos? Embora nenhuma resposta tenha aparecido (identificamos cerca de 5 áreas críticas a trabalhar), nós percebemos que para desenvolver e superar o fardo de nosso passado trágico e estratificado, nosso país precisava de uma contínua injeção de recursos humanos nos próximos anos. Coincidentemente, muitos de nós, vivendo e trabalhando no exterior, chegamos à conclusão de que mais do que assistirmos a nós mesmos e as nossas crianças sucumbirem à assimilação e à perda de identidade, era hora de ter uma atitude proativa, voltar para casa, mergulhar na vida daqui e cada um começar a trabalhar no desenvolvimento do nosso próprio país.
Em 2012, nós demos um passo além e criamos a Fundação Repat Armenia com o objetivo de promover e facilitar a repatriação de armênios pelo mundo. Nossa ação ramifica da nossa firme convicção de que a Armênia de hoje, enquanto nação soberana, é uma parte que sobreviveu da nossa histórica pátria-mãe e deveria servir como pátria para todos os armênios. Acreditamos também que o futuro da Armênia, enquanto uma crescente, vibrante e viável pátria para todos os armênios, por sua vez requer esforços coletivos desses mesmos armênios que estão em todo o mundo. Isso significa que enquanto trabalham duro para construir comunidades prósperas, autossustentáveis e contribuem para o desenvolvimento de seus países de acolhimento, os armênios devem antes de tudo se preocupar em investir e construir continuamente uma nação próspera que compreende as atuais República da Armênia e Artsakh. Isso deveria ser encabeçado por meio de um processo consciente e bem gerenciado de repatriação.
Não levamos a missão de promover a repatriação levianamente. Para a maioria das pessoas, especialmente aquelas cujas famílias lutaram para escapar do genocídio,perseguição, pobreza, guerra e revolução ao longo do século passado, ou do caos econômico que se seguiu com o colapso da União Soviética, o chamado para ir em outra direção, de deixar para trás as vidas confortáveis e duramente conquistadas em países de economias estáveis, e retornarem para um país em luta, cercado por inimigos, não parece uma escolha óbvia. Quando iniciamos nosso trabalho na RepatArmenia descobrimos que muitas pessoas já haviam retornado, enquanto muitas outras estavam considerando seriamente a repatriação. Desde que começamos, nós temos testemunhado fluxos crescentes de repatriação, que culminaram em 2013 com mais de 11 mil armênios de nações estrangeiras se mudando para a Armênia para fixarem residência permanente.
De fato, a realidade da repatriação acabou se tornando mais matizada do que generalizações e estereótipos nos últimos anos sugerem. Primeiro, a Armênia já tem em vários sentidos uma sociedade moderna, oferecendo melhores e crescentes oportunidades profissionais e qualidade de vida. Durante a última década, contra todos os obstáculos, Armênia vivenciou um surto de crescimento econômico, embora partisse de um patamar baixo, e tem assistido o nascimento de uma moderna economia de consumo: telefones celulares e internet, qualidade e penetração no varejo e na prestação de serviços competem hoje com os países altamente desenvolvidos. Paralelamente, a Armênia tem recuperado terreno na educação; há atualmente instituições internacionais para todos as idades no país (por exemplo, AYB School, Dilijan International School, TUMO Center for Creative Technologies, e American University of Armenia), financiadas por fundos diaspóricos e capitalizando a forte tradição em matemática, física, xadrez e ciência da computação. O start-up tecnológico em Yerevan cresce a cada mês e há várias start-ups norte-americanas que transferiram suas operações e desenvolvimento para a Armênia. O fluxo de turista para o país tem aumentado consideravelmente desde a comemoração pelo 1700º aniversário da conversão da Armênia ao Cristianismo e o cenário cultural é vibrante. Recuperando-se da profunda crise de 2009, a Armênia tem visto uma maior diversificação e crescimento de sua base industrial e despertou o interesse de grandes fundos de investimentos da diáspora para o financiamento de projetos de desenvolvimento; tais progressos têm criado coletivamente oportunidades de trabalho na Armênia que estão começando a se equiparar com aquelas disponíveis no exterior.
Tais avanços também destacam uma premissa importante que não existia poucos anos atrás: enquanto a Armênia não é ainda uma economia totalmente desenvolvida, se mudar para o país não se trata mais de sacrifício pessoal ou privação. Pergunte à maioria dos repatriados recentes e você terá uma resposta similar: o nível de realização e satisfação pessoal supera de longe as expectativas iniciais, especialmente para aqueles que planejaram seus projetos e deram esse passo conscientemente. Isso está criando um círculo virtuoso, quando as melhores condições atraem mais talentos ao país, elevam o nível e criam ondas de comunicação positiva, que compelem mais pessoas a vir.
Em segundo lugar, o mundo em nossa volta entrou em uma fase de crescente turbulência. Países onde as comunidades armênias desfrutavam de relativa estabilidade e próspero recomeço após a calamidade do genocídio (Líbano, Síria, Iraque, Egito, Ucrânia, para mencionar os mais óbvios) têm testemunhado recentemente os horrores da guerra civil, violência interétnica e religiosa e instabilidade econômica. Mas o mal-estar vai muito além. Parece que agora a antiga premissa que há uma vida secular mais segura em outros países do que na pátria-mãe está em xeque. Estabilidade e segurança não podem ser facilmente compradas; ambas devem ser conquistadas e cimentadas por meio do desenvolvimento saudável da sociedade. E é justamente aqui que o jovem Estado e a sociedade armênia tem coletivamente demonstrado mais durabilidade e resistência a turbulências do que muitos de seus vizinhos. Segurança pessoal é páreo ou melhor do que em muitas nações ocidentes, sobretudo me termos de crimes hediondos e terrorismo. Descontentamento social, ainda que bem sérios, não chegam a tomar forma violenta. O exército, que está defendendo a longa e tensa fronteira com o Azerbaijão, sofrem menos incidentes do que no passado e a destreza militar tem crescido a cada ano.
Tudo isso nos leva à segunda premissa: se mudar para a Armênia pode ser uma escolha inteligente para assegurar um futuro menos incerto para sua família ao lado de seus compatriotas, ainda que num passado recente você acreditasse no contrário.
Posto isto, nós estamos longe de ter construído o país de nossos sonhos e nos separar do passado soviético não é fácil. Apesar dos inúmeros e encorajadores avanços recentes, a situação econômica geral no nosso país ainda é variada, especialmente nas áreas rurais e além dos bairros centrais das principais cidades. Há muito trabalho a ser feito para construir instituições estatais modernas, efetivas e transparentes e para alcançar uma democracia real e um Estado de direito. Também uma paz duradoura com os nossos vizinhos ainda estar por ser alcançada e o fortalecimento militar é um duro pré-requisito para ganhar condições equânimes num futuro acordo de paz. Para superar esses é necessário uma grande injeção de experiências de ponta, pesamento moderno, investimento e pessoal profissional e dedicado na Armênia, para guiar o país no seu caminho de transformação nos próximos anos e décadas. Há grandes exemplos individuais de investimentos feitos por beneméritos, mas agora é hora de levar esses esforços a um nível de um movimento nacional e global. Essa é a hora que nossos talentos acumulados, capital, conexões e paixões podem ser canalizadas para servir ao país e assegurar nosso futuro, ao invés de dissipá-los em lugares nos quais não deixarão traços de nossa existências em poucas gerações. É essa a hora em que nós finalmente temos a chance de assegurar nosso legado em casa, conectando-o com a modernização da nossa pátria-mãe.
Houve muitos esforços em apoiar o país no passado que por vezes falharam, criaram rancor e desgaste. Felizmente, há uma fórmula emergente que vem se provando efetiva e que muitos de nós também pode aplicar. Na década recente a Armênia tem finalmente criado sua primeira “geração da independência” e esses jovens armênios estão agora ansiosamente querendo aplicar suas energias no avanço do país e de suas próprias sortes. Entretanto, frequentemente, eles simplesmente não sabem como canalizar seus esforços e podem desperdiçá-los, ou ainda pior, emigrar. É aqui que a repatriação pode intervir – os bem-sucedidos profissionais armênios que vivem em Paris, Moscou, Buenos Aires, San Francisco ou Toronto, que podem investir na ampliação da rede de educação e construir empreendimentos competitivos na Armênia; os talentosos médicos que podem treinar as próximas gerações de cirurgiões ou cardiologistas; os ambiciosos empreendedores tecnológicos cujos próximos projetos poderão alavancar uma equipe local de alta performance; os oficiais militares treinados que podem injetar pensamento moderno e modernas técnicas de combate no exército armênio. Em suma, repatriados podem ser e já são catalisadores que desencadeiam o tremendo potencial que existe no país. É um trabalho duro e os repatriados devem frequentemente criar as oportunidades, mais do que tirar vantagens do que já foi feito, dos frutos mais baixos da árvore. Contudo, aqueles que recentemente tentaram e perseveraram além das dificuldades iniciais descobriram que tais esforços tem finalmente causado o impacto necessário e coletivamente estão mudando o curso do país. Ademais, muitos desses esforços individuais estão agora convergindo para fundamentar uma sociedade democrática, legal e culturalmente vibrante, com os repatriados cada vez mais exercendo seus deveres civis e ativismo na Armênia e se tendo voz ativa nos assuntos internos.
Voltando ao início, os desdobramentos da transformação da Armênia necessitarão esforços crescentes e recursos de todos os armênios, seja os recém-emigrados do país, ou da quarta geração de descendentes de sobreviventes do genocídio. Todavia, ao contrário do passado, não se trata mais da contribuição anual ao Fundo Nacional Armênio, de lutar contra as injustiças passadas, ou de doar roupas usadas para as vilas da fronteira; embora cada um desses esforços tenha tido (e ainda tem) um papel importante, eles não geram sustentabilidade e crescimento para o país em longo prazo. Agora é necessário modernizar e integrar a Armênia atual numa economia, política e sociedade globais, onde você e seus filhos são os reais elos. Se isso significa se mudar fisicamente para cá, ou contratar uma equipe de programadores, deslocar a produção, colocar um centro de Pesquisa e Desenvolvimento para funcionar aqui ou investir o seu tempo para treinar as próximas gerações de doutores, artistas, cineastas, empreendedores, políticos, soldados, especialistas em marketing, vinicultores ou engenheiros de produção, isso cabe a você.
Raffi Kassarjian é conselheiro do conselho administrativo do Converse Bank em Yerevan. Ele é fundador e presidente da Fundação Repat Armenia.
Avetik Chalabyan é diretor do McKinsey & Co. em Moscou. Ele é fundador e membro do Conselho administrativo da Fundação Repat Armenia.