Buradayız Ahparig (Estamos aqui, querido irmão)
Há 7 anos, no dia 19 de janeiro, as pessoas saem às ruas na cidade de Istambul para lembrar o assassinato, ainda não totalmente solucionado, do jornalista de origem armênia Hrant Dink, morto a tiros em frente ao escritório do Agos, jornal bilíngue (turco-armênio) que ele dirigia.
A marcha anual, apelidada de “Marcha da Justiça” (reveja as de 2012 e 2013), teve início na Praça Taksim e contou com a presença de centenas de milhares de pessoas, além de membros dos Sindicatos dos trabalhadores e da comunidade LGBT da Turquia. “Somos todos Hrant, Somos todos armênios” e “O Estado assassino deve prestar contas“, bradavam os manifestantes reunidos na Praça que há alguns meses foi palco de protestos coibidos violentamente pela polícia.
Logo no ponto inicial da marcha, facilmente avistavam-se canhões de água posicionados estrategicamente pela polícia turca, que felizmente não foram utilizados. A manifestação seguiu rumo aos escritórios da Avenida Osmanbey, no distrito de Şişli, como sempre, conduzida por Rakel Dink, viúva de Hrant, que nunca deixou de manifestar em seu nome, trabalhando incessantemente para manter sua memória viva.
De acordo com Louis Fishman, “os manifestantes presentes à marcha representavam todas as esferas da sociedade: jovens e idosos, religiosos, pessoas de classe média e baixa, turcos de todas as religiões e etnias, além de curdos, sunitas e alevitas, armênios, gregos, judeus”.
A marcha passou pela Rua Ergenekon, que leva até o bairro Kurtuluş, lar de muitos armênios, e onde Hrant Dink viveu. A via leva o nome do grupo ultra-nacionalista, cujos membros foram condenados à prisão devido a tentativas de encenar um golpe de estado. Muitos acreditam que membros deste grupo podem ter ligações com o assassinato de Dink
Ao chegarem ao prédio onde funciona o Agos, os oradores da manifestação ressaltaram a importância do centenário do Genocídio Armênio em 2015, em outras palavras, é impossível dissociar o assassinato de Hrant do massacre de armênios em 1915.
ENTENDA O CASO:
Hrant Dink era o editor do jornal Agos e foi baleado em plena luz do dia assim que deixou seu escritório no distrito de Şişli , em Istambul. O assassino, Ogun Samast, foi capturado no dia seguinte do assassinato.
Conhecido por sua opiniões a respeito da reconciliação entre a Turquia e a Armênia e da defesa dos direitos humanos das minorias, Hrant Dink era frequentemente apontado como antinacionalista, tendo sido ameaçado de morte diversas vezes, bem como processado e condenado em um tribunal turco, em razão de suas crítica à postura do Estado quanto ao reconhecimento do genocídio armênio.
A morte do jornalista armênio causou comoção em toda a população da Turquia. No dia do cortejo fúnebre, estima-se que cerca de 200 mil pessoas foram às ruas de Istambul.
O jornal Radikal de 2 de fevereiro de 2007 mostrou imagens em destaque de Samast na delegacia onde ele foi inicialmente preso, segurando uma bandeira turca, rodeado por policiais sorridentes.
Samast, um jovem ultranacionalista turco, foi identificado por seu pai, Ahmet Samast, que informou a polícia depois que ver as imagens da CCTV de seu filho. Ele foi detido em uma operação na principal estação de ônibus em Samsun.
Alguns dias depois, a polícia turca anunciou que Yasin Hayal, um ultranacionalista militante, que bombardeou um restaurante McDonald’s em Trabzon, em 2004, confessou ter pedido a Samast para matar Dink, além de ter fornecido a arma do crime.
Faik Samast, tio de Ogün, disse que não acreditava que o sobrinho tinha agido sozinho, afirmando que ele não sabia sequer circular por Istambul. Mais tarde, Hayal e Samast confessaram que o assassinato foi planejado por Erhan Tuncel, que é alegadamente um informante da polícia.
Em julho de 2011, o tribunal de Istambul condenou Ogün Samast à prisão perpétua, mas reduziu a pena para 21 anos e meio já que ele ainda era menor de idade na época do assassinato em 2007. Samast também recebeu uma pena de prisão de mais 16 meses pela posse de uma arma sem licença.
Em agosto de 2011 o Conselho de Estado da Turquia manteve a indenização à família de Dink, concedida meses antes pelo tribunal.
Erhan Tuncel, o suposto mandante do assassinato do jornalista Hrant Dink, foi capturado no distrito de Kumburgaz, em Istambul, em uma casa onde se escondia.
Em uma entrevista antes de ser capturado, Erhan Tuncel disse: “Eu vou me entregar quando completar minha defesa”. Eu vou revelar os nomes que estou em contato. “A polícia militar tem um grande papel no assassinato de Dink”. Tuncel também disse que não existia organização maior dentro do estado “maior que a Ergenekon [uma organização secreta acusada de planejar derrubar o governo turco] , que está sendo impedida de esclarecer este assassinato. “Sou um pedacinho de tudo isso”, declarou Tuncel.
O julgamento do assassinato de Dink foi encerrado em janeiro de 2102 sob protestos. O tribunal condenou Yasin Hayal, o principal suspeito do crime, por incitação de assassinato e o sentenciou a prisão perpétua, enquanto outro suspeito, Erhan Tuncel, foi absolvido do caso do assassinato de DInk.
No entanto a justiça absolveu cerca de 20 réus que eram investigados por fazer parte de um grupo terrorista, decidindo que não havia nada por detrás do assassinato, o que irritou os advogados que protestaram alegando que o julgamento deixou de lançar luz sobre ligações entre os suspeitos e alguns funcionários do Estado.
Em um comunicado, antes da sentença, a Anistia Internacional apontou que não foram investigadas todas as circunstâncias do assassinato:
”As autoridades turcas não examinaram o suposto envolvimento de funcionários públicos no crime e os serviços de segurança sabiam da conspiração para matá-lo (Dink), mas não fizeram nada para impedir o assassinato”, reclamou Andrew Gardner, um especialista em questões relacionadas com a Turquia. Ele ainda acrescentou que foram ignorados os pedidos da família para investigar conluio e negligência alegadamente cometidos pelas autoridades neste caso.
Em Janeiro de 2013 a promotoria pediu à Suprema Corte a anulação do julgamento dos assassinos de Dink, sob a alegação de que Hrant Dink foi morto somente porque ele era de nação e religião diferentes e sua morte era parte de uma atividade planejada e sistematizada por uma rede criminosa cujo objetivo era manchar a unidade nacional.
A promotoria apelou do veredito, afirmando que o assassinato foi indubitavelmente um trabalho do Ergenekon, organização clandestina cujos membros se encontram na hierarquia estatal e que estão sendo julgados pela tentativa de golpe de Estado. A organização é também acusada de estar por trás de diversos crimes atrozes e tentativas de estabelecer o caos na Turquia com o intuito de iniciar um golpe militar.
Tuncel é visto como uma chave na ligação do assassinato com as instituições do Estado, já que membros do Departamento de Polícia da província do Mar Negro de Trabzon, cidade natal dos suspeitos, foram acusados da falta de transmissão de informações fornecidas por Tuncel ao Comando da Policia Militar local, segundo um relatório preparado pelo Conselho de Supervisão de Estado da Turquia.