Josely Carvalho é uma artista plástica que mora em Nova York há muitos anos. Contudo, ela nunca perdeu a sua ligação com o Brasil e continuou a trabalhar sua arte em São Paulo.
Na década de 1990 Josely foi convidada para ornamentar uma das estações do metrô de São Paulo e ela escolheu a Estação Armênia (clique aqui para conhecer a história da estação).
Entrevistamos a artista para saber um pouco mais sobre como esse projeto foi pensado e executado.
Leia abaixo:
Como ocorreu o convite para produzir a obra?
Josely Carvalho: Em 1994, Marcello Glycério de Freitas, diretor do projeto de arte no Metrô, me convidou para fazer uma obra numa das Estações do Metropolitano de São Paulo. Depois de visitar várias delas, pedi para ver a Estação Armênia, pois havia ouvido falar que a comunidade armênia tinha mudado o seu nome de Ponte Pequena para Estação Armênia. Este fato me pareceu curioso. No momento que cheguei à Estação, me apaixonei pela sua arquitetura. Imediatamente sua arquitetura me sugeriu elementos que poderiam ser decodificados com metáforas conceituais da experiência imigrante. Suas asas de concreto abrigam espelhos d’água e aninham o voo migratório. A ponte, por onde o trem passa, torna-se o elo de conexão entre duas culturas. O pássaro viajante preserva sua identidade pela união do Norte e do Sul, da língua armênia e da portuguesa, mantendo a história e criando uma nova estória.
Qual foi a preparação para fazê-la?
JC: Voltei a Nova York onde vivia e encontrei na Morgan Library uma exposição de manuscritos armênios acompanhadas de conferências sobre arte e arquitetura. Vorazmente, participei de todos os eventos e iniciei uma pesquisa na Diocese da Igreja Armênia. Identifiquei-me com certas características da arte armênia.
Nessa volta a Nova York iniciei uma pesquisa sobre a cultura armênia que incluiu, arquitetura, história, arte fotográfica, religião e as comunidades atuais de Boston e Nova York. No dia 24 de abril, assisti a uma cerimônia religiosa na Igreja Armênia em Nova York, onde o Governador Cuomo compareceu e comunicou a necessidade dos trágicos eventos de 1915 serem reconhecidos como o primeiro Genocídio do século XX.
Para prosseguir o projeto do Metrô de São Paulo estabeleci uma comunicação dinâmica com membros atuantes da comunidade armênia, como a Igreja e o Banco Sofisa. Este apoio me proporcionou prosseguir a obra Memorial Armênia.
Você havia tido algum contato com a cultura armênia antes da obra, ou já conhecia a história do genocídio?
JC: Não, não conhecia nada sobre a cultura armênia. Minha obra como artista tem sido sempre baseada em longas pesquisas onde a história se entrelaça e fortalece o momento atual. Houve também uma identificação com o emigrante já que vivi muitos anos fora do Brasil presenciando a realidade daquele que por várias razões sai do seu país e enfrenta as dificuldades de não pertencer.
Quais foram os materiais que você utilizou e qual a técnica aplicada?
JC: À medida que o projeto se desenvolvia me deparei com o fato de que não poderia usar os materiais que uso na minha obra como a gravura. Para construir a escultura usei o barro queimado em alta temperatura se tornando pedra, como os antigos Khatchkars. Procurei a ceramista Mieko Ukezeki, na cidade de Cunha (SP), uma vez que não conhecia a técnica do barro, para produzirmos juntas os dois Khatchkars. Trabalhamos 9 meses em Cunha. Usei, além do barro, o espelho d’água, paisagismo e vidro jateado para o interior da Estação.
Houve repercussão da obra na época? Você teve algum feedback das pessoas ou alguma exposição na mídia?
JC: Houve repercussão na comunidade armênia, sendo a inauguração muito concorrida. A repercussão na mídia foi pequena e muito local, não abrangendo o circuito internacional que o Memorial deveria ter tido artisticamente e politicamente. Esta mídia poderia ter sido maior com o empenho da comunidade armênia.
Em 2005, me empenhei em reformar e manter o memorial. O Metrô refez tudo que era necessário e tivemos uma nova inauguração que novamente a comunidade armênia perdeu a oportunidade de divulgar seu desejo de reconhecimento do Genocídio.
Veja mais imagens abaixo:
*NR – Khatchkar – Consiste numa cruz talhada em pedra utilizando o sistema de baixo relevo. Trata-se de uma obra de arte tradicional e milenar do povo armênio.