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Entrevista: Levon Eskenian, diretor artístico do The Gurdjieff Folk Instruments Ensemble

The Gurdjieff Folk Instruments Ensemble está vindo a São Paulo para duas apresentações na Sala São Paulo (dias 7 e 8 de novembro. Clique aqui para garantir o seu ingresso). Enquanto se prepara para a viagem, o diretor artístico do grupo, Levon Eskenian, falou com exclusividade com a musicista Datev Artinian, especialmente para o Portal Estação Armênia. Confira a conversa entre os dois músicos.

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Fundado por Levon Eskenian, The Gurdjieff Folk Instruments Ensemble é um dos mais famosos conjuntos de música antiga e medieval no mundo, composto pelos mais proeminentes instrumentistas tradicionais armênios.

Em 2011, a ECM Records lançou “Music of Georges I. Gurdjieff” do Gurdjieff Ensemble com as gravações do famoso filósofo e músico, álbum esse que foi aclamado e premiado mundialmente, incluindo o Edison Award na Holanda (um dos quatro maiores prêmios do mundo da música), o National Music Award na Armênia e ainda foi selecionado como CD da semana por grandes estações de rádio no mundo.

O Conjunto tem se apresentando nos maiores festivais e espaços da Europa, Ásia, Oriente Médio e Austrália. Recentemente, o grupo gravou um novo álbum com músicas de Komitas na Suíça a ler lançado pela ECM records ainda este ano.

Em breve, o renomado The Gurdjieff Folk Instruments Ensemble fará sua estreia no Brasil com dois concertos na Sala São Paulo, com músicas de Gurdjieff e de Komitas, ambos grandes músicos do século XX (clique aqui para saber mais sobre as apresentações de 07 e 8 de novembro de 2015).

George Ivanovitch Gurdjieff (1866(?) 1949), nasceu em Alexandropol (atual Gyumri, Armênia), é conhecido por muitos no Ocidente como uma das maiores figuras espirituais do século XX, além de músico, escritor, filósofo e coreógrafo. Experiências vividas durante a infância despertaram nele uma necessidade irreprimível de entender o mistério da existência humana. Após ter se preparado para seguir carreira nas Ciências e na Religião, tendo estudado medicina, música, psicologia e teologia, Gurdjieff e um grupo de colegas chamados de “caçadores da verdade” estabeleceram uma busca para entender o objetivo e o significado da vida na Terra e, em particular, o lugar do homem no cosmo.

A busca de Gurdjieff começa na Armênia e o levou pelo Oriente Médio e várias partes da Ásia Central, Índia e norte da África. Testemunha de uma miríade de músicas folclóricas e danças tradicionais, Gurdjieff também teve contato significativo com irmandades cristãs, monges budistas, mestres sufistas e dervixes. Após cerca de vinte anos, Gurdjieff voltou ao Ocidente com um ensinamento que ele chamava de “o desenvolvimento harmonioso do homem”. Hoje, institutos Gurdjieff podem ser encontrados nas maiores cidades do mundo.

Seu interesse e entendimento da música foram profundos. Ele acreditava que a música de diferentes culturas preservavam e revelavam características essenciais daquelas culturas e transportam significados mais profundos enraizados em suas tradições. Com uma capacidade extraordinária para lembrar de intrincadas melodias orientais que ouviu durante suas viagens, ele compôs nos anos 1920 cerca de 300 peças e fragmentos para piano, ditando para seu pupilo, Thomas de Hartmann, compositor e pianista russo. As peças musicais de Gurdjieff tem a vitalidade e espontaneidade da pura improvisação e ainda são profundamente enraizadas nas tradições antigas orais.

Gomidas Vartabed (ou Komitas – nascido Soghomon Soghomonian, 1869-1935) ordenado e popularmente conhecido como Komitas foi um compositor armênio, etnomusicólogo, arranjador, cantor e padre. É tido como o fundador da música contemporânea na Armênia. Em seu trabalho como compilador, Komitas explorava as conexões que uniam unicamente as músicas armênias sacras às seculares. Muitos etnomusicólogos encontram paralelos entre os trabalhos de Komitas e do compositor húngaro Bela Bartok.

Komitas recebeu educação musical no seminário anexo à Catedral de Etchmiadzin, a Santa Sé da Igreja Apostólica Armênia e em Berlim. Familiarizado com a música clássica ocidental bem como com a tradição armênia, ele tinha ainda um profundo conhecimento da cultura musical do Oriente Médio e da Ásia, o que o ajudou a entender e definir o que era único na música armênia. Ele é o mais importante compilador das músicas folclóricas armênias, tendo estabelecido a musicologia armênia em bases científicas. Suas músicas, coros e cantos litúrgicos são obras-primas. Komitas recolheu e transcreveu mais de 3 mil peças de músicas armênias folclóricas, sagradas, antigas e medievais.

Datev Artinian (DA): As peças originais escritas por G.I. Gurdjieff-Hartman e Komitas foram pensadas para interpretações ao piano. O quão difícil foi para você rearranjar essas peças para um conjunto tradicional autêntico?

Levon Eskenian (LE): Essa música chegou para nós em forma de peças de piano. Gurdjieff ditava as melodias e os ritmos para o seu estudante, o compositor Thomas de Hartmann, que criou essas peças para piano, mas essa música é do Oriente, nascida de instrumentos orientais. Naturalmente essa música é conectada com instrumentos dos quais elas nasceram. Muitos aspectos estão conectados com essa música: a natureza daquelas terras, as paisagens de onde elas nasceram, o idioma e as tradições de cada grupo étnico. Para fazer os arranjos, eu tive que fazer pesquisas, estudar e ouvir música étnica oriental com mais cuidado e analiticamente, começando pela música armênia, árabe, iraniana, grega, assíria e curda. Para entender os instrumentos usados e suas combinações, os ensaios e artigos do compositor armênio Komitas foram um guia de grande ajuda.

A música de Komitas tinha pistas. Ele mencionou em cada parte da peça de piano que instrumento o inspirou e que instrumento musical armênio o pianista deveria imitar no piano, o que serviu de base para os meus arranjos.

(DA): Vocês têm um álbum lançado pela pretigiada ECM Record intitulado “The Music of Georges I.Gurdjieff” e um segundo disco, Komitas”, para ser lançado em novembro na América do Sul. Como Manfred Eicher chegou até vocês e como foi o proesso de gravar com ele?

(LE): Manfred já estava interessando quando ele ouviu da violoncelista Anja Lechner que na Armênia um conjunto de instrumentos armênios foi criado e iria tocar músicas de Gurdjieff. O conjunto foi fundado em 2008 e quando fizemos nossos primeiros concertos, o compositor armênio Tigran Mansurian estava presente e gostou do nosso trabalho. Como ele é um artista da ECM e amigo de Manfred, ele nos apresentou a ele. A gravação foi feita em Yerevan e masterizada por ele na Alemanha; enquanto o nosso segundo projeto, música de Komitas, que será lançado no outono (primavera do hemisfério sul, NR) foi gravado com ele em Lugano.

(DA): Você nasceu no Líbano e se mudou para a Armênia quando tinha 18 anos. Como isso influenciou seus esforços musicais?

(LE): O Líbano é um país muito interessante, onde você pode achar pessoas de diferentes etnicidades vivendo juntas e cientes das culturas, músicas e tradições uns dos outros. Para além da música armênia, desde muito cedo, eu tive a oportunidade de ouvir música árabe, curda, grega e assíria e quando eu imigrei para o país dos meus ancestrais, a Armênia, eu me formei em música clássica ocidental, enquanto também trabalhava com a música folclórica armênia. Tudo isso foi como um presente para mim.

(DA): O que te atrai mais em Gurdjieff? É mais a parte dele ter sido um “caçador da verdade” ou o compositor com interesse em música tradicional de várias regiões?

(LE): A música de Gurdjieff é parte de seu ensinamento. Um método de entendimento é necessário também para entender sua música e vice-versa uma vez que a música folclórica por si só é uma poderosa fonte de informação, uma honesta e verdadeira forma de arte que nos leva à verdade. Nós todos somos caçadores da verdade, procurando por entendimento. Música folclórica e e música antiga de rituais são também um caminho para buscar a verdade.

(DA): O quão importante é a dimensão espiritual da música para você? Você acredita em música com uma mensagem?

(LE): Tudo tem uma mensagem. De vez em quando, músicos esquecem o que há de mais importante no fazer música, que é a música. Nós temos que entender a mensagem na música. Afinal, nós somos todos parte de uma mesma corrente no universo e somos mensageiros. Há sempre uma correnteza passando através da gente e nós devemos ser honestos e manter essa correnteza pura.

(DA): Os ensinamentos de Gurdjieff inclui o estudo dos níveis de consciência e cultivo da autoconsciência  por meio de danças chamadas de movimentos e trabalhos físicos práticos. Qual é o papel da música nos seus ensinamentos?

(LE): Você está onde sua atenção está. A música e dança de Gurdjieff podem desenvolver atenção e a sua atenção pode estar presente quando seus três centros trabalham em harmonia uns com os outros (mente, emoções e corpo – o centro motor). Os músicos devem ter esses centros trabalhando em harmonia para poderem criar música. O público responde e entra no estado que o músico está sugerindo. Música pode suscitar emoções, com sua forma reagindo com a mente e com sua vibração reagindo com o nosso corpo. Toda música é criada por uma pessoa e pode ser vista como uma forma subjetiva de arte, enquanto há também uma objetividade e nós, músicos, tendemos a alcançar essa objetividade. Música, enquanto linguagem, foi criada para passar uma mensagem. Isso sempre esteve presente em todos os tipos de rituais. Música te ajuda a te conectar com o seu eu.

(DA): Como é reger um grande conjunto como o seu? Como o processo de criação acontece no grupo?

(LE): Uma presença consciente é sempre necessária. Concentração, ouvir o que nós tocamos, nos conectar com cada vibração. Eu aprendi com o meu professor de piano o que ele costumava chamar “não perca a conexão espiritual entre os sons”. A gente lida com música escrita, mas uma música com uma fonte que tem um caráter libre e de improvisação. Você precisa manter a liberdade em música escrita. Criar música juntos nos une. Nós aprendemos em cada ensaio, com a música que tocamos, uns com os outros e, muito importante, com o público.

(DA): Nos dias 7 e 8 de novembro vocês se apresentarão pela primeira vez em São Paulo. Quais são suas expectativas desse concerto e o que o público pode esperar de vocês?

(LE): Nós estamos felizes por essa oportunidade de nos apresentarmos na Sala SãoPaulo, uma das maiores salas do mundo. Meses atrás, o público de São Paulo experimentou a música de Jordi Saville e seu Ensemble Hyperion XXI. O público interessado naquele concerto certamente se interessará em ouvir o que nós temos a apresentar nos dias 7 e 8 de novembro na Sala São Paulo. A nossa música é profundamente emocional, os ritmos são muito sofisticados, com sons únicos de instrumentos e suas combinações. Instrumentos da Armênia e do Oriente Médio. O público de São Paulo terá a chance de viver uma experiência musical rica, uma jornada por tempos e culturas.

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