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“Aqui não é o Brasil!”: um panorama sobre as novelas na Armênia

O texto abaixo é uma reprodução do artigo de Julia Hakobyan para o ArmeniaNow –

Essa semana uma novela veio para nossa casa.

Na quinta, quando meu filho de seis anos e eu voltávamos pra casa, assim que passamos pela porta da frente vimos uma luz brilhante oriunda do andar de cima e ouvimos o grito de um homem. “Fogo!”, alegremente disse meu filho.

Enquanto subíamos a escada a luz ficava mais brilhante, os barulhos mais altos. Nenhum fogo, nenhuma fumaça. Ao invés disso, no quarto andar encontramos dez pessoas, câmeras e holofotes. “Parece uma espaçonave!”, concluiu meu filho.

“Luzes, câmera, ação!”, ordenou um homem.

Os corredores do nosso prédio são muito estreitos. Era difícil passar por causa da quantidade de pessoas, dos holofotes e das câmeras.

Ai eu disse: Oi!

Algumas pessoas murmuraram alguma coisa em resposta. “O que vocês estão filmando?”, perguntei. “Na Cidade”, disseram-me relutantes. “O que na cidade?” perguntei de novo.

O homem olhou de soslaio para mim, mas vendo minha sincera confusão esclareceu: “Na Cidade” é uma novela. “Em que canal que vai passar?”, perguntei. Naquele momento mais pessoas me olharam com desconfiança. “Shant TV, e já está no ar!”

Um dia antes eu assisti a uma conferência de imprensa convocada por alguns artistas e diretores armênios para celebrar seu feriado de profissão (o dia 21 de novembro é o dia mundial da televisão) e para novamente reclamar sobre a qualidade dos programas de TV produzidos por canais locais, a abundância de programas de baixo nível, não profissionais e, francamente, programas estúpidos.

Então, Karen Kocharyan, um showman veterano, lembrou com nostalgia o tempo soviético em que por um atraso de minutos para o trabalho era imposta uma multa, se fosse ao vivo o atraso, outra multa, e quando a qualidade dos programas era controlada por vários órgãos (ele não se referia a censura, mas ao controle sobre a pureza da linguagem, scripts bem elaborados, etc) e a televisão tinha uma missão educacional.

E claro, eles entraram no assunto novela. E mais óbvio ainda, eles a criticaram. Chegaram até a admitir que não sabiam como lidar com elas.

Francamente, a conversa e as críticas sobre as novelas na Armênia se tornaram um show à parte.

A novela dividiu os cidadãos de Yerevan em 2 grupos. Os que assistem e os que criticam. Os que não assistem criticam os que assistem. Os que assistem se dividem em sub grupos: os que assistem a H1, os que preferem a Armenia TV, ou a Shant TV ou qualquer outro canal.

Existem cerca de 15 canais na Armênia e a maioria deles transmite novelas.

Durante os últimos dois anos as novelas armênias foram assunto de severas críticas. Intelectuais, legisladores, psicólogos, etnógrafos, todos já deram seus depoimentos sobre o conteúdo das novelas.

As criticas dizem que temas de novelas como, agressão, violência doméstica, infortúnios e a vida sofrida, tem uma influência disfuncional sobre a audiência, que representa metade da população armênia. Afirma ainda que as novelas prejudicam o psicológico dos jovens.

Mesmo assim, nenhuma mudança é vista. O que se vê são cada vez mais novelas.

Os produtores dizem que eles estão simplesmente dando ao povo o que o povo quer.

Como exemplo, “Dãjvar abrust” (Vida dura) está entre as mais criticadas. A maioria do seu conteúdo é sobre homens zombando de mulheres. Mas a diretora Diana Grigoryan acredita que seu programa reflete a vida real. Ela também acha que os que criticam são na verdade fãs secretos. Mas tem uma pergunta que Grigoryan nunca consegue responder: Qual a idéia da novela? Qual o objetivo, de mostrar crueldade?

Eu costumava ser fã de novelas. Após a queda da cortina de ferro centenas de novelas estrangeiras, a maioria brasileiras, inundaram os canais de TV russos e eu assistia várias delas.

Mas eu nunca consegui assistir nenhuma novela armênia. Elas não são boas. Talvez porque nenhum dos canais armênios tenha nem uma pequena porcentagem da capacidade e recursos financeiros que a brasileira Globo tem, a maior produtora mundial de novelas, que permite que eles construam sets de filmagens maiores que muitos lugares reais em Yerevan.

Mas na quinta, quando eu conheci a equipe do “Na Cidade” no meu prédio eu decidi descobrir do que se tratava o programa. Achei alguns episódios na internet e o que eu vi foi ainda pior do que as minhas piores expectativas. O que era pra ser uma comédia, virou uma coisa muito fraca e a “atuação” não servia nem para teatro de escola, quem dirá pra minha televisão…

Finalmente fiz minha pergunta mais importante: “Porque estavam gravando a novela no nosso prédio?” Eu lembrei que não via meu vizinho iraniano há bastante tempo. E o episódio estava sendo gravado no apartamento dele.

Eu fui até a porta e observei o processo de gravação. Eles estavam gravando um episódio em que um rapaz saia do apartamento dizendo “eh” e descia as escadas. Depois de mais ou menos uns 10 takes o diretor estava satisfeito.

“Quando você vai terminar?” eu perguntei. O diretor olhou para mim como se eu não entendesse o quão importante era o seu trabalho. “Por que você esta tão interessada?”

“Bem”, eu disse, “porque eu moro aqui, eu quero saber o que está acontecendo, eu quero entender porque vocês estão filmando em um prédio residencial e não num set. Vocês compraram um apartamento aqui?”

Mas o diretor não tinha tempo para mim. Ele disse alguma coisa de novo e a equipe começou a ajustar os holofotes e as câmeras.

“Nós já vamos acabar” disse alguém do grupo, “e nós alugamos um apartamento aqui”.

Semana passada a iniciativa jovem “Nós não vamos ficar calados” anunciou o ganhador da cerimônia “O lixo do ar”. O vencedor foi “A Filha do General”, uma novela exibida na Armenian Public Television. Ela “ganhou” o prêmio por promover a degradação do povo armênio e zombar do exército armênio.

O controle da programação vai durar até o dia 15 de dezembro, quando os vencedores vão receber via e-mail um certificado de vitorioso e 100 Drams (dinheiro de pinga).

Enquanto isso eu vou continuar assistindo a filmagem dos meus vizinhos, “Na Cidade”. Talvez se eu assistir o processo de produção eu não fique tão irritada vendo o resultado. Ou não! 

Julia Hakobyan é editora-geral do jornal online ArmeniaNow 

 

 

 

 

 

 

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