No dia 24 de abril de 1915, dezenas de famílias armênias foram surpreendidas à noite pelas tropas do exército turco-otomano, que ordenava que os homens deixassem suas casas e partissem rumo ao impensável. Mais tarde, mulheres, crianças e idosos se reuniriam aos demais em marchas pelo deserto. No raiar do dia 22 de janeiro de 2012, dois mil policiais militares, incluindo a tropa de choque, foram até a comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos – SP para expulsar violentamente cerca de sete mil moradores que por lá moravam há oito anos.
Comparar o sofrimento dos armênios no começo do século XX com a agonia de milhares de famílias no Brasil de 2012 não é anacronismo. É histórico. O desrespeito aos direitos humanos em 1915 ou em 2012 são traços marcantes de governos autoritários, que visam interesses minoritários e ganhos econômicos em detrimento do bem-estar da maioria.
As ações genocidas podem ser divididas em três etapas: I) preparação; II) execução; III) negação. Foi dessa forma que os Jovens Turcos planejaram o extermínio dos armênios em reuniões secretas do Comitê União e Progresso; em seguida, executaram o plano meticulosamente com a ajuda de mercenários curdos; e, por fim, negaram o acontecido desde o primeiro grito sufocado que tentava denunciar ao mundo o que ocorria com os armênios no Império Otomano.
Infelizmente, a práxis genocida se repetiu em São José dos Campos, (não sem antes ter se repetido em Eldorado dos Carajás, no Carandiru, em Vigário Geral, Candelária, Cracolândia, etc.). Após diversas batalhas judiciais, uma manobra do governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) permitiu com que a invasão truculenta da Polícia Militar fosse feita na calada da noite, a despeito de uma decisão da Justiça Federal que suspendia a reintegração de posse do terreno onde milhares de famílias estavam estabelecidas há anos, com casas, comércios e igrejas. Planejado o crime lesa-humanidade, a Polícia Militar executou-o friamente, lançando mão de armamento comum, não os materiais não-letais normalmente utilizados nesse tipo de ação, o que feriu dezenas de trabalhadores que moravam no local, inclusive vitimando alguns, segundo informações dos moradores. As lideranças da comunidade foram presas, espancadas e algumas estão desaparecidas, repetindo tristemente os acontecimentos de 24 de abril de 1915.
E no dia seguinte, o que temos? A negação. As autoridades aparecem em público para informar que tudo transcorreu na mais completa ordem, enquanto as vítimas desse ato genocida paulista gritam o contrário. E assim, a população pobre do Pinheirinho sentirá a dor que armênios, assírios, curdos, judeus, ciganos, cambojanos, tutsis, bósnios e outros sentem quando alguém diz que a sua dor é mentira, é invenção ou simplesmente picuinha política. No alvorecer do dia seguinte, ao ouvir a negação do crime que a vitimou, a comunidade do Pinheirinho será também um pouco armênia.