O mundialmente famoso diretor armênio Sergei Parajanov sempre foi conhecido por chocar as pessoas com suas extravagâncias. Durante as filmagens do filme Sombras dos Antepassados Esquecidos (1965) em Kosovo, na Ucrânia, Parajanov pintou as rochas no entorno de azul. Segundo o diretor, essa paisagem parecia muito mais interessante do que a original, e as pedras contrastavam lindamente com o verde da folhagem. Ao fim das gravações, a equipe de filmagem foi embora e as pedras permaneceram azuis por muitos anos.
Sergei Parajanov nasceu em 9 de janeiro de 1924. A vida do diretor e roteirista não foi uma festa do início ao fim – o artista passou cinco anos na prisão. O motivo foram acusações de sodomia, estupro, disseminação de pornografia e até roubo de igrejas, embora isso chocasse muitos quem conviva com o diretor e conheciam seu caráter. O motivo por trás dessas condenações eram as constantes críticas às autoridades soviéticas – por exemplo, quando manifestações pró-governo aconteciam sob suas janelas, o artista saiu para a varanda e começou a bater varonilmente a poeira do tapete sobre as cabeças dos manifestantes.
Hoje vamos relembrar vários casos (cômicos e trágicos) da vida de Parajanov – um homem que foi chamado até por sua família de “louco à solta”.
Recebendo convidados – por elevador
Certa vez, em seu aniversário, o diretor percorreu as ruas de Kiev e convidou para sua casa todos que conhecia, e eles vieram – quase cem pessoas. Claro, nem todos cabiam no apartamento, mas o aniversariante encontrou uma saída no seu próprio estilo. Ele espalhou tapetes nas escadas por todo o prédio – do primeiro ao quinto andar -, e sentou os convidados neles. Além disso, os conhecidos receberam talheres e copos de cristal (o pai de Parajanov era um rico negociante de antiguidades em Tiflis). Assim o aniversário aconteceu: o aniversariante subia de elevador entre os andares, fazendo brindes, e os convidados bebiam em sua saúde, sentados na escada.
Amor trágico
Durante seus anos de estudante, Parajanov casou-se com uma garota tártara (originaria da Moldávia) chamada Nigar. Ela se casou sem o conhecimento dos parentes que, quando souberam do casamento, exigiram uma grande quantia em dinheiro de Parajanov – seguindo as tradições da família. O estudante pediu ajuda ao pai – ele implorou um emprestimo da quantia necessária, mas esse recusou porque o filho não queria dar continuidade aos negócios da família e preferia o cinema às antiguidades. Então, a família da jovem ordenou que Nigar deixasse o marido e voltasse para sua terra natal. A garota recusou e seus familiares cruelmente a jogaram debaixo de um trem – foi assim que a primeira esposa de Parajanov morreu.
Em memória à Nigar, o diretor costumava voltar-se para temas moldavos em seus filmes – especialmente nos primeiros.
Talers de Parajanov, a medalha de Fellini e outros “presentes”
Durante seus anos de prisão, o artista nunca parou de criar. De alguma forma, num 8 de março, ele enviou a Lilya Brik (famosa socialite da época) um buquê, que ele fez com arame farpado e suas meias. Brick colocou o “buquê” em um vaso que Maiakovski (prestigiado poeta russo) deu a ela – no entanto, o “aroma” da tal surpresa não era floral de forma alguma. A propósito, foi Lilya Brik quem ajudou a libertá-lo da prisão – suas conexões na França eram valiosas.
Às vezes, no pátio da prisão, o diretor também encontrava flores de verdade, jogadas fora por alguém. Ele as transformava em herbários e as enviava a amigos. A partir de tampas de garrafas de leite, o artista “cunhou” os “talers de Parajanov” (referência ao Taler, moeda de prata usada por quase 400 anos na Europa). Para fazer isso, ele criou sua própria maneira de desenhar em uma folha com um prego e colocou nela imagens de Pushkin, Gogol e Peter I (poeta, novelista e imperador russos, respectivamente). Dizem que algumas dessas artes foram até enviadas para um exame psiquiátrico, mas a resposta à prisão foi curta: “Talentoso, muito”. Anos depois, um “táler” foi recebido por Federico Fellini – o brilhante italiano apreciou a engenhosidade de Parajanov e lançou uma medalha de prata que era concedida aos vencedores do Festival de Rimini.
Lenço para dois
No livro Parajanov. O preço de um feriado eterno de Vasily Katanyan (diretor de cinema, filho de Vasily Abgarovich Katanyan – marido de Lilya Brik) conta essa história do diretor.
“… Estavamos nós três em Podol: Seryozha, meu amigo de Moscou, Svetlana e eu. Svetlana estava usando um elegante lenço de cabeça francês. Seryozha gostava muito da cor e do estilo.
– Bem, se você gosta tanto do lenço, posso dividi-lo com sua esposa.
– Como?
– A gente chega em casa, corta na diagonal, e ganha dois lenços triangulares, porque o lenço é grande.
– Você está falando sério?
– Absolutamente.
– Para que esperar até voltarmos para casa? – Seryozha voltou-se imediatamente à janela aberta, atrás da qual uma senhora cozida no vapor cuidava do fogão – Senhora, você tem uma tesoura?
– O que?
– Falei baixo?
A mulher estendeu uma tesoura para ele. Seryozha tirou o lenço de Svetlana, com a nossa ajuda cortou-o em duas metades, dobrou cuidadosamente o lenço, devolveu a tesoura e continuamos como se nada tivesse acontecido.
Estrela para Vysotsky
Sergei Parajanov mantinha relações amistosas com Vladimir Vysotsky, famoso músico soviético. Certa vez, durante uma visita do cantor ao amigo, Parajanov viu no pescoço de Vysotsky uma moeda em uma grossa corrente de prata. Vendo uma decoração tão despretensiosa, Parajanov ergueu as mãos e foi até o aparador. De lá, tirou uma linda estrela feita à mão com malaquita e diamantes. “Não me lembro de onde ganhei isso, mas acho que a estrela ocupou seu lugar de direito”, disse Parajanov e pendurou a joia no pescoço do amigo no lugar da moeda velha. Anos depois, descobriu-se que esta estrela é um dos maiores prêmios do Império Otomano.
Quer conhecer mais sobre a vida e obra de Sergei Parajanov, assista abaixo o episódio do Explica dedicado ao diretor: