Por Sévanne Garibian, professora e pesquisadora das universidades de Genebra e Neuchâtel. Via Le Monde
Profª. Drª. Sévanne Garibian
O Conselho Constitucional declarou a inconstitucionalidade da Lei Boyer. O texto indicava a extensão da penalização do negacionismo a todos os “crimes de genocídio definidos no artigo 211-1 do código penal e reconhecidos como tais pela lei francesa”. Os Sábios (membros do Conselho) se basearam principalmente em duas coisas: por um lado, que o legislador pode ditar as regras que concernem ao exercício da liberdade de expressão, assim como também “instituir incriminações que reprimam os abusos do exercício [desta liberdade] que atentarem contra a ordem pública e os direitos de terceiros”; por outro lado, essas limitações devem ser “necessárias, adaptadas e proporcionais ao objetivo que se persegue”. Os juízes constitucionais estimam que, ao reprimir “o questionamento da existência e da qualificação de crimes que o mesmo havia reconhecido e qualificado como tais, o legislador transgride o exercício constitucional da liberdade de expressão”. Ademais, o Conselho pontua, em seu comunicado à imprensa, que não teria que se pronunciar sobre a lei de 2001 relativa ao reconhecimento do genocídio armênio (“lei a qual não estava submetida e, por uma razão mais forte, ele não fez nenhuma apreciação sobre os fatos em questão”); nem tampouco sobre a lei Gayssot de 1990, relativa ao questionamento da Shoah no sentido que ela “não reprime o questionamento de crimes ‘reconhecidos pela lei’”.
Essa argumentação é interessante. Se entendemos bem, há dois tipo de negacionismo e dois tipos de crimes contra a humanidade: o negacionismo cujo objeto são os crimes “reconhecidos pela lei” (como o genocídio armênio), justificável na França em nome da liberdade de expressão; e o negacionismo que tem por objetivo os outros crimes, não “reconhecidos pela lei” (como a Shoah), injustificável e penalmente repreensível com a desculpa que seria um abuso dessa mesma liberdade de expressão. Em outras palavras, os negacionistas podem estar alternativamente protegidos ou não pela liberdade de expressão, pois os crimes contra a humanidade cuja existência questionam estão “reconhecidos pela lei” francesa ou… o quê? Qual seria o elemento chave que justificaria aqui essa diferenciação entre crimes e suas negações? O que há de mais naqueles que não estão “reconhecidos pela lei” o que há de menos naqueles que não estão? A palavra do juiz, talvez? Acaso está na entrelinha, no não dito, na chave, no conteúdo implícito no raciocínio dos Sábios? Na ausência de julgamento? Em uma palavra: impunidade? Toda a diferença estaria residiria então na autoridade que “reconhece”?
Olhando de mais perto, nos faz lembrar o argumento de Robert Badinter (Le Monde de 15 de janeiro de 2012), segundo o qual a lei Gayssot de 1990 se justificaria pelo fato de ter referência em ações criminais que foram objeto de decisões judiciais dotadas da “autoridade da coisa julgada” na França, enquanto que o genocídio dos armênios segue sendo um crime impune. Tal argumentação é interessante. Primeiramente, porque implica que somente a palavra do juiz pode garantir a verdade dos fatos (baseado na presunção, por certo discutível, que constitui de jure um dos efeitos da chamada “autoridade da coisa julgada”): mas então o que dizer do trabalho do historiador que estabelece e confirma o fato, reconhecido e aceito por um legislador? Em segundo lugar, omitem-se as causas do fracasso da instauração da jurisdição internacional inicialmente prevista para isso, pelos Aliados, no Tratado de Sèvres de 1920 (uma novidade histórica); como também omite a relação direta entre essa impunidade padecida e a amplitude da “indústria da negação” (termo de Taner Akçam), única em seu gênero, organizada politicamente desde então pela Turquia. Por fim, o argumento da impunidade é parcialmente falso, já que alguns responsáveis pelo genocídio dos armênios foram condenados em julgamentos organizados pela Turquia (1919-1920) antes de 1921, quando o regime kemalista aboliu os tribunais competentes e liberou os responsáveis que ainda não haviam fugido, e que em 1923 foram anistiados. Os arquivos desses julgamentos oferecem uma documentação riquíssima, já que reúnem provas sobre a intenção de exterminar integralmente a população armênia e do plano elaborado para tal objetivo pelo governo dos Jovens Turcos. Para terminar, nada permite afirmar que nos trabalhos preparatórios da lei Gayssot, o objetivo do texto fosse reprimir o questionamento a uma decisão da justiça. Por outro lado, a referência a Nuremberg no texto de 1990 se deveu a uma razão prática e circunstancial: as infrações de crime contra a humanidade e de genocídio não existiam no direito francês daquela época; seriam introduzidas no Código Penal durante a reforma de 1994. Essa evolução do arsenal jurídico, como da realidade do fenômeno negacionista na França, que deve ser levada em consideração daqui por diante.
Para além do que se pense sobre a lei Boyer, uma pergunta permanece: como compreender a aporia na qual se encerra o problemático argumento da impunidade? A impunidade de crimes cujo caráter imprescritível cede, sem dúvida, ante a ausência de juiz, irremediavelmente causada pela Realpolitik, pela anistia, o negacionismo de Estado e a morte dos responsáveis. A impunidade, esse “inacabado, indefinido e sem consolo de uma suja história que termina mal” (Véronique Nahoum-Grappe), é utilizada aqui como uma nova “postura fora da lei” das vítimas e das famílias, em vez de ser o inverso, tomada como uma razão a mais de pensar, ao menos, no problema da negação em um contexto mundial de “luta contra a impunidade”, de “restauração da verdade” e da “prevenção dos crimes internacionais mais graves”, segundo as fórmulas estabelecidas. Se a negação é um desafio à história, é também, manifestadamente, um desafio ao direito.