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Armênia e Artsakh merecem nosso máximo esforço

No início do mês de maio aconteceu Encontro Mundial de Conselho de Causa Armênia Mundial de escritórios ligados à Federação Revolucionária Armênia (FRA). O Encontro aconteceu em Yerevan e em Stepanakert, respectivamente capitais de Armênia e de Artsakh (Nagorno-Karabakh). 

O Brasil foi representado na ocasião por Kevork Zadikian, presidente do Conselho de Causa Armênia do Brasil (CNA-BR), que esteve acompanhado pelos companheiros da delegação sul-americana. O Estação Armênia publicou matérias sobre as atividades de Zadikian (saiba mais aqui).

Agora, compartilhamos com nossos leitores um artigo escrito por Nicolás Sabuncunyan (diretor do Conselho Nacional Armênio da Argentina), que também esteve no congresso. O texto foi publicado originalmente no site do Diario Armênia de Buenos Aires e você lê abaixo.

Tradução: Adriana Nazeli Topalian

 

“Armênia e Artsakh merecem nosso máximo esforço”

Nicolás é o 1º à partir da esquerda, com Kevork Zadikian ao seu lado e o presidente de Artsakh Bako Sahakian ao centro e demais companheiros da américa do sul, à direita.

 

Qualquer pessoa sabe que há situações na vida com as quais emocionar-se é inevitável. Os nascimentos, os casamentos, as formaturas, os reencontros, os velórios, são acontecimentos nos quais somos conscientes de que quanto mais nos involucrarmos mais será a emoção. Porém, prever a emoção, não implica necessariamente em estar preparados ou imunizados.

De 7 a 11 de maio foi realizado em Yerevan e Stepanakert o encontro mundial do Conselho Nacional Armênia, do que participaram os escritórios de todos os cantos do planeta. Tive eu a sorte de fazer parte da delegação sul-americana, e conhecer  meus pares de lugares tão distantes como Austrália, Irã, Líbano, Kuwait, Suécia, Espanha, Áustria, Grécia, Canadá, Estados Unidos, e todos os outros países que fizeram parte do encontro, junto aos escritórios locais.

Familiarizar-me com as distintas formas nas que se desenvolve a agenda da Causa Armênia em cada contexto, com realidades sociais tão diversas como podem ser a iraniana ou a sueca, e ao mesmo tempo me aproximar daqueles que levam essas responsabilidades, foi um ponto de inflexão na hora de compreender o que significa fazer parte de uma organização que atua em larga escala. Ratificou-se a ideia de que sem grupos de base tão comprometidos como os que conheci, e sem a centralização e articulação estratégica, toda nossa tarefa se reduziria ao esforço mais ou menos individual, insuficiente para enfrentar os inimigos de nossa causa, e eles sim operam de forma conjunta.

E além disso, foi a minha primeira vez na nossa terra, na Armênia e em Artsakh (Nagorno-Karabakh). Desde o primeiro minuto, que soube da viagem, tive  certeza de que ia me emocionar. Soube, apesar do tempo apertado, deveria ir a todos os monumentos que tinha desenhado e aos quais tinha dedicado canções na escola. Que, com alguma ajuda do clima poderia ver de forma clara o Ararat, que, mesmo estando em terras usurpadas, vive dentro todos os armênios. Também soube que sentiria na minha própria carne algumas das histórias, de dimensão mítica, que tinha ouvido sobre Artsakh.

O que não consegui prever foi efeito avassalador das luzes de Yerevan vistas desde o céu, ao dar início o aterrizagem no aeroporto de Zvartnotz. Nunca imaginei que durante uns poucos, porém significativos dias nesta cidade, ela ia me abrigar e a permitir percorrê-la a qualquer hora, inclusive já avançada a madrugada. Não sabia da existência de bares noturnos subterrâneos nos quais a fumaça, infinita e acumulada de cigarros, é permitida, e tem a mesma densidade de algumas conversas que mantive com pessoas que nasceram ali, e com outros jovens da diáspora que estão fazendo as suas vidas na Mãe Pátria, e inclusive se involucram politicamente para melhorar a realidade. Também não imaginava a majestosa presença da Ópera e todos os espaços que reivindicam a música, a literatura e a as artes em geral, nem a quantidade de museus que ficam para a próxima viagem.

Os monumentos das grandes tragédias e também das façanhas heroicas pelas quais passamos nas primeiras décadas do século XX, podem ser pensados como ponto de chegada. Enviar uma foto desde Sardarapat ou Dzidzernagapert pode significar para muitas pessoas  “estar na Armênia”. Mas também pode significar um ponto de partida para nós  recordarmos do preço que foi pago pelo nosso povo para sobreviver, e qual é nosso aporte e sacrifício atual para honrar esse legado. Sem este componente da memória, a nossa visita não se diferencia do turismo.

O cemitério de Yeraplur é uma boa dose de memória, onde descansam heróis de toda a armenidade: desde o General Antranik e Sosé Mayrig, até os que tombaram na Guerra de Artsakh, novos mártires, como Vikén Zakarian que nasceu no Líbano.

Outro ponto importante que ninguém ignora da Armênia é a presença de inúmeras igrejas, fato que atrai turistas para realizar o caminho da fé. Mas as demonstrações da espiritualidade armênia não se esgotam em Etchmiadzín, nem em Geghard, esculpida, de um forma inverossímil e ao mesmo tempo real na pedra. Templos de épocas pagãs, como Garní,  nos parecem o portão de acesso a nossa história milenar, com deuses e batalhas, mas também com uma vida quotidiana fascinante, como é possível perceber no museu de Sardarapat. A destruição e reconstrução dos templos não são cenas do passado, estão presentes na atualidade, especialmente nos que foram vítimas dos combates em Artsakh (Nagorno- Karabakh).

Justamente, quando achava que meu estado emocional tinha se estabilizado, iniciamos a viagem a Nagorno-Karabakh. A estrada Gorís-Stepanakert oferece uma paisagem que parece ser a superposição de todas as paisagens montanhosas da Terra juntas, atravessadas por bosques, por ovelhas, cabras e vacas. Shushí nos recebeu essa noite,  e foi inevitável sair para conhece-la um pouco. Ao dia seguinte, 9 de maio, comemoramos a sua liberação em Stepanakert. Um olhar ocidental, com tendência a emitir julgamentos de forma compulsiva, diria que trata-se da exaltação da guerra, e ficaria impressionado ao ver crianças e jovens de farda. À partir do meu ponto de vista,  eu acho que não sou eu quem deve explicar a uma população como deve tratar o tema, já que eles têm deixado tudo na autodefesa.

A missa  foi realizada no dia 9 de maio, na Catedral de Stepanakert, por sacerdotes que estiveram perto daqueles por que tanto se orou, os soldados. A missa excedia os limites da fé e convidava a  se conectar com alguma coisa da ordem do sagrado, e a sentir uma maior comunhão. Como se todo isso não fosse o suficiente, e eu já estava me esforçando, nos deram um último golpe: por iniciativa de Bako Sahakian, presidente de Nagorno-Karabakh, nos reunimos com ele, seus ministros e militares, na fortaleza de Dikranaguerd. A poucos quilometros da fronteira com o Azerbaijão, fomos prestigiados, após a reunião, com um almoço típico da nossa terra, diverso, abundante, coletivo e diferente ao que está no imaginário da Diáspora sobre a gastronomia armênia,  e diferente do que pode se degustar em Yerevan, com os chefes de cozinha sírios e libaneses.

Agora faz uma semana que voltei fisicamente da Armênia (sic), e isso é um dado irrelevante. Voltei para seguir dando meus humildes esforços para ajudar as pessoas de Armênia e de Artsakh. Especialmente em Artsakh, a gratidão que eles tem pela Diáspora é absoluta. Não só o demonstram com cartazes no dia 9 de maio, mas também as pessoas nas ruas, ao saber da nossa origem por conta de nosso sotaque, nos agradeciam. Isso provocou um sentimento duplo de orgulho, e ao mesmo tempo de vergonha, ao me lembrar que pouco da nossa agenda comunitária está dedicada a Artsakh. Felizmente na Argentina isso está mudando.

Faz uma semana que procuro a melhor forma de dizer que eu fiz virar realidade um sonho, mas ao mesmo tempo me sinto mais obrigado ainda  a trabalhar para fazer realidade o sonho de todos aqueles que deram a vida pela Causa Armênia.

Faz uma semana que tenho a certeza de que o Conselho Nacional Armênio é local certo para isso.

 

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