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Dr. Elias Katudjian – "Haia decide: Responsabilidade por Genocídio é culpa do Estado"

por: Elias Katudjian – advogado        

                                                                             

“HOLANDA É RESPONSÁVEL POR 300 MORTES EM SREBRENICA, DECIDE CORTE”

 

Este é o título de matéria do “Estadão” em sua edição eletrônica de 16 de julho findante, cujo texto, veiculado pela agência Reuters, pode ser lido nos documentos em anexo, do qual transcrevemos os seguintes trechos, com destaque para a declaração feita pelo juiz Peter Blok: Clique aqui para ver o artigo original.

 

“No momento que os homens foram mandados embora, o Dutchbat sabia ou deveria saber que o GENOCÍDIO (destaque nosso, em negrito e caixa alta) estaria em curso e em decorrência haveria um sério risco de os homens serem assassinados”.

“Durante a guerra bósnia, o batalhão holandês Dutcbat foi enviado para proteger Srbrenica, designada como zona de segurança pela Organização das Nações Unidas, mas as tropas holandesas se renderam ao exército sérvio bósnio comandado por Ratko Mladic, que está sendo julgado por crime guerra em uma corte internacional de Haia.”

“O caso foi aberto pelo grupo Mães de Srebrenica que representa os parentes das vítimas sobreviventes. O grupo fracassou em ter reconhecida a responsabilidade da ONU pelo massacre.”

 

“O fracasso dos soldados holandeses em proteger os muçulmanos de Srbrenica deixou uma marca profunda na política holandesa, contribuindo para a renúncia do governo em 2002. A guerra bósnia durou três anos e deixou ao menos 100 mil pessoas no mais sangrento de uma série de conflitos que se sucederam ao desmembramento da Iugoslávia nos anos 1990”.


Elias Katud

Dr. Elias Katudjian

              Essa notícia destina-se a alcançar enorme repercussão internacional, em razão do excepcional precedente criado, aplicável aos genocídios verificados e impunes, em diversas partes do mundo, com graves violações dos Direitos Humanos, em face dos quais persiste o silêncio condenável e a hipocrisia das grandes potências, como denunciado pelo secretário geral da ONU, Ban Ki-Moon, em recente entrevista ao jornal inglês The Economist.

 Para nós, em particular, constituiu motivo de renovada esperança com relação ao reconhecimento internacional do Genocídio Armênio, visto que se trata de importantíssimo precedente judicial, prolatado nada menos que pelo Tribunal Internacional de Haia, o qual vem se somar, acrescentando novos fundamentos e imprimindo atualidade ao VEREDITO (clique aqui e saiba mais) proferido pelo Tribunal Permanente dos Povos, cuja íntegra pudemos conhecer, graças à cultura e dedicação da tradutora de seu texto original, em inglês, a ilustre Professora Sossi Amiralian, com a colaboração de Sonia Amiralian e do subscritor deste artigo.

                Enfim, descortina-se uma luz no fim do túnel, revela-se a ponta de um “iceberg”. Não é possível conter o otimismo que essa notícia provoca. Ela nos traz a confiança de que, a final, será vencido o absurdo negacionismo da Turquia quanto à sua responsabilidade pela cruel perpetração do Genocídio Armênio que vitimou um milhão e meio de pessoas. Chegou a hora de a Turquia, juntamente com o esperado reconhecimento internacional, assumir sua real responsabilidade, entendendo que a decisão em tela aplica-se inteiramente à sua atitude, não só comissiva, mas também omissiva, que levou à evidente caracterização de genocídio.

                Embora admitamos ser necessário ter em mãos, para uma análise jurídica detida, a íntegra da decisão da Corte de Haia, com seu relatório e sua fundamentação, permitimo-nos afirmar, desde logo, que foi declarada claramente a RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO, nos mesmos moldes do que ocorre no Direito Interno Brasileiro, por imperativo constitucional.

                A responsabilidade objetiva (no caso, do Estado) – que, juridicamente, se distingue, para efeitos de reparação de danos, do conceito de responsabilidade subjetiva, sendo esta dependente de comprovação de culpa do agente– decorre da pura e simples ocorrência do fato ilícito, praticado por quem representa determinado Estado. Tal ocorre, tomando como exemplo um lamentável fato recente, ocorrido no Rio de Janeiro, quando policiais militares – incumbidos de tornar efetiva a segurança pública que constitui obrigação do Estado prestar – mataram um cidadão inocente, por suposto envolvimento em tráfico de drogas: o Estado, desde logo, sem mais delongas, independentemente de prova de culpa, foi reconhecido como responsável, objetivamente, pela indenização civil à família da pobre vítima. Nesse caso, por comissão de seus agentes.      

Pelo mesmo critério da responsabilidade objetiva do Estado, mas aqui por omissão, sustentamos que a Turquia – que nada mais é que o mesmo ente político (Estado) que tinha, então, o nome de Império Otomano, sob cuja tutela e determinação foi cometido o Genocídio Armênio, a partir de 1915, estendendo-se até 1923 – é, indubitavelmente, responsável, agora duplamente, por sua consumação.

Duplamente: já não só por culpa, subjetivamente, por seus próprios atos criminosos, fartamente provados, mas também por omissão, objetivamente, ao permitir os massacres cometidos por seus agentes, com (assim foi) ou sem a expedição de ordens oficiais para tal fim, fossem eles autoridades militares ou civis, e até mesmo cidadãos turcos comuns, vitimando as minorias étnicas, não só a armênia, como também a grega, a curda e outras, integrantes de sua população, às quais tinha o dever de prestar proteção e resguardar suas vidas.

 Cai por terra, assim, fragorosamente, o surrado argumento utilizado pela Turquia, em seu insustentável negacionismo, no sentido de que o governo otomano nada teria a ver com os extermínios, cometidos à sua revelia, a pretexto de terem ocorrido em momento histórico conturbado, durante a Primeira Guerra Mundial. Como lemos na declaração do primeiro ministro da Turquia, Tayip Erdogan, do último dia 24 de abril, em hipócrita mensagem de condolências, merecedora de nosso enérgico repúdio.    

                A verdade está em que, a partir da decisão em tela, já não se trata, tão somente, de imputar a responsabilidade subjetiva pelo Genocídio ao partido dos Jovens Turcos que estava no poder do Império Otomano, o qual, por supostas e espúrias “razões de estado”, ordenou o plano de extermínio da “raça armênia”, resolvendo, de uma vez por todas, a incômoda Questão Armênia.   O fato novo – e este é um grande trunfo a nosso favor – consiste, ante a decisão da Corte de Haia, na possibilidade de afirmarmos que a RESPONSABILIDADE DA TURQUIA É OBJETIVA, NÃO PODE HAVER MAIS DISCUSSÃO, NEM DEPENDE DE PROVAS, TODAS ELAS , ALIÁS, JÁ PRODUZIDAS,  DURANTE O  PROCESSAMENTO HAVIDO NO TRIBUNAL PERMANENTE DOS POVOS, DE MODO A CARACTERIZAR, OUTROSSIM, SUA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA.

                Em suma, A RESPONSABILIDADE DA TURQUIA, COMO AUTORA DO GENOCÍDIO ARMÊNIO, RESULTA, TAMBÉM, DE SUA OMISSÃO EM EVITAR OS FATOS CRIMINOSOS.  Assim interpretamos a decisão da mais Alta Corte Internacional de Justiça, o Tribunal de Haia, que declarou a responsabilidade da Holanda, em face de semelhante situação fática, em ambos os casos, qual seja, o descumprimento pelo Estado de sua obrigação de zelar pela segurança e pelas vidas de pessoas sob sua indeclinável responsabilidade. Diante de todo o exposto, temos como insofismável : a responsabilidade da Turquia pelo Genocídio Armênio decorre de FAZER ACONTECER (por ação, comissão) e, também, de DEIXAR ACONTECER (por omissão).

                Precisamos obter a íntegra do julgado para analisar, com precisão, seus fundamentos, porquanto os estamos interpretando com base apenas no noticiário, certos, entretanto, de que ele nos basta para chegarmos às presentes conclusões. Contudo, impõe-se conhecer o inteiro teor da decisão para colhermos maiores subsídios. Assim, cabe-nos conseguir, quanto antes, uma cópia dela, pesquisando pela Internet ou em outras fontes. 

Isto, se o poderoso “lobby” da Turquia já não tiver apagado toda a matéria junto aos meios de comunicação, como tem feito, invariavelmente, em relação a tudo que a possa atingir negativamente, ainda que “por tabela”, como no presente caso. Revelando, assim, que ela sabe o que isso significa. Com efeito, a notícia que embasa este artigo, timidamente divulgada, não mereceu nenhum comentário, que buscamos e não encontramos, em jornais e revistas. Donde a necessidade imperiosa de conseguirmos diretamente na fonte primária, isto é, no Tribunal de Haia, a cópia integral, “de capa a capa”, do processo ali movido em desfavor da Holanda, com sua final sentença. Para tanto, talvez seja necessário recorrer aos meios diplomáticos.    

Em seguida, tendo esse material em mãos, caberá debatermos amplamente a respeito do tema, não só entre nós, unidos, bem assim com toda a Diáspora Armênia que, por certo, estará mobilizada com o mesmo objetivo. E, primordialmente, contando com a iniciativa do governo da República da Armênia, visando à propositura de uma ação similar contra a Turquia, perante o mesmo Tribunal de Haia, fundada no precedente aqui focado. Isto, no plano jurídico. Simultaneamente, parece-nos, impõe-se traçar um plano de ação política vigorosa junto à Comunidade Global, especialmente à Organização das Nações Unidas e sua Comissão de Direitos Humanos.  Em suma, planejar e executar uma estratégia político-jurídica.

 Estamos todos, pois, convocados: a luta pelo reconhecimento do Genocídio continua, agora fortalecida por mais uma legítima afirmação do Direito e da Justiça ! Esta é a hora, em pleno limiar da evocação do Centenário !

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