Primeira matéria da série: A Turquia em ebulição
Por: James Onnig Tamdjian
Desde o primeiro momento que surgiram manifestações contra as mudanças urbanas em Istambul a temática armênia apareceu em todas as redes sociais.
Muitos dos manifestantes que reclamavam das arbitrariedades do governo Erdogan não sabem a verdadeira história que desencadeou esse conjunto de atos populares que vem pautando a política turca dos últimos tempos.
Naquele mesmo período o cemitério foi ampliado com as mesmas ordens oficiais devidamente documentadas chegando a ficar sob jurisdição da comunidade armênia católica, durante os períodos em que haviam crises com o Patriarcado Apostólico Armênio de Constantinopla/Istambul. Isso ocorreu com mais força pouco antes do seu fechamento.
O campo santo foi murado em 1853 e nas cercanias surgiram a Praça Taksim e o Parque Gezi como eles são hoje junto ao Bairro de Pangalti no Distrito de Sisli. Com forte presença armênia, cristã e ocidental essas cercanias sempre chamaram a atenção dos otomanistas nacionalistas que de tempos em tempos lançavam seus discursos xenófobos contra a população local.
Até o pós-genocídio a presença armênia poderia ser percebida naquelas localidades. Muitos prédios comunitários, o cemitério e até mesmo um monumento em homenagem aos mártires poderia ser visto até meados de 1919 quando a política kemalista, herdeira direta da política genocida dos jovens turcos, assume as rédeas do país e passa a perseguir o que sobrou da comunidade armênia naquelas localidades.
Após a proibição e retirada do monumento inicia-se uma verdadeira guerra jurídica entre o governo da República Turca e o Patriarcado Armênio de Constantinopla/Istambul. No começo dos anos de 1930 uma ordem de desapropriação passa a ser executada e grande parte do campo santo armênio bem como muitos dos prédios comunitários são destruídos para dar lugar ao conjunto Taksin-Gezi.
Enquanto a maior parte do Cemitério Armênio de Surp Hagop era destruído, os restos das lapides e construções foram sendo utilizados para obras na região inclusive para os alicerces da sede do que viria a ser a RTR, Rádio e Tv Turca. Dos 850.000 metros quadrados restaram menos de 8.000 metros quadrados sob jurisdição parcial do Patriarcado Armênio de Constantinopla. Em outros bairros não foi diferente como mostra a foto aérea abaixo.
Em 1939 foi derrubada a Igreja de Surp Hagop apagando de vez a presença armênia naquela localidade. Em 1940 a região passou a ter os contornos atuais.
É importante lembrar que desde o século XVIII a comunidade armênia tinha grandes propriedades em todo o território do Império Otomano. O Filantropo Meguerdich Sansaryan criou uma fundação para administrar esse patrimônio naquele período.
Recentemente o Patriarcado de Istambul exigiu a devolução de todas as propriedades armênias que eram geridas por essa fundação. Mesmo com todas as provas quase todas as ações foram indeferidas pela justiça turca e apenas algumas estão pendentes.
O projeto de remodelação da Praça Taksim gerou enormes revoltas populares já que ele concedia enormes espaços populares para iniciativa privada e empreendimentos imobiliários de luxo. No meio das manifestações grupos lembraram que o Parque pertencia aos armênios. O que a população de Istambul está sentindo hoje os armênios já sentiram tempos atrás.
Fontes:
-Gecekondu, Urbanization and Migration, H. Karpat – Ed. American Books
2012 Declaration: The Seized Properties of Armenian Foundations In Istanbul Mehmet Polatel, Nora Mildanoglu, Ozgur Leman Eren, and Mehmet Atilgan – Ed. Hrant Dink Foundation
Na próxima reportagem: O NEOOTOMANISMO E ERDOGANISMO COMO RUPTURA DO KEMALISMO.