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Norair Chahinian: “foi o prelúdio de um 24 de abril diferente”

O fotógrafo e arquiteto paulistano Stepan Norair Chahinian está na Turquia para continuar suas pesquisas para um novo trabalho que será em breve divulgado.  Enquanto isso, ele acompanhou as manifestações pelo oitavo aniversário do assassinato de Hrant Dink, editor do jornal AGOS (para o qual Norair deu entrevista em 2012 – clique aqui para ler) e enviou, com exclusividade para o Portal Estação Armênia, o seu relato:

Foi um dia diferente. Muita coisa se sentiu aqui. Pode ser um prenúncio para um 24 de abril diferente. Muitos setores da sociedade presentes na rua. Muito forte, tudo muito emotivo.” declarou Chahinian.

Com a câmera na mão, Norair Chahinian capturava a emoção no rosto dos manifestantes e a mobilização popular por justiça e verdade que ganha força na Turquia.

A cada ano que passa fica provado que o tiro saiu pela culatra. Eles queriam calar uma voz, mas acabaram amplificando um grande problema, que silenciosamente vai ganhando força e ecoando pelas ruas de Istambul.

Mas o fotógrafo acha que ainda há muito trabalho para ser feito e que esse é apenas o começo.

O trabalho é longo. É trabalho de formiga. Mas estando aqui, presenciando tudo que estou presenciando, a coisa pode mudar. Sinto que a cada dia que passa a nossa causa angaria mais voluntários”.

Segundo Norair, o tradicional “Discurso da Janela”, proferido este ano por Murathan Munga (autor, contista, dramaturgo e poeta turco) foi emocionante.

*** Leia o discurso logo abaixo, após a galeria de imagens:

 

Discurso da Janela de 2015, por Murathan Mungan

Tradução do turco para o inglês: Nur Deris Ottoman (leia aqui o original)
Tradução para português: Armen Pamboukdjian

 

MUNGAN2“Olá amigos, querida família e amigos de Hrant e a todos aqueles que defendem a verdade e a justiça, eu cumprimento vocês com grande afeição e respeito.

Estamos reunidos mais uma vez por Hrant Dink, como temos feito nos últimos 8 anos em 19 de janeiro, por Hrant Dink que veio ser o filho de milhões de corações após a sua morte…  “The Largest Organisation Behind the Murder”  (A Maior Organização Por Trás de um Assassinato [T.L]) foi o título da peça que escrevi em 2007 logo após o seu assassinato, e ela começa assim:

“Há momentos em que a pessoa permanece sem palavras diante de tanta coisa a ser dita. Você sufoca, incapaz de pronunciar um único som. O silêncio de estar certo é diferente de outros silêncios; seu nó não é facilmente desfeito. (…) Essa morte, que foi trágica e dolorosa o suficiente, por si só, também foi devastadora com o que “desânimo” trouxe de volta da história recente, a partir de memórias revividas. Cada nova morte, traz de volta à vida outras mortes com a mesma dor sentida no primeiro dia dessas mortes. Não importa quantos livros você pode ter escrito, é em momentos como estes que você permanece sem palavras. “

Hoje começarei a falar a partir de onde parei, então: neste país, onde existem todas as formas de mudez, aqueles que morreram, que foram mortos, que foram massacrados deram suas vidas para que nós, que permanecemos sejamos capazes de dizer algumas palavras a mais depois deles. Então, se as travas em nossas línguas pudessem ser quebradas, para que as verdades ardentes que nos mantiveram sem palavras não iriam nos devastar ainda mais … Estas poucas palavras a mais, que permaneceram trancadas na história e que fizeram seu caminho no tempo por tão longo tempo, com tantas perdas e tantas mortes … mais do que qualquer coisa, devemos aquelas poucas palavras mais a eles, a sua memória. Regimes repressivos sabem que o medo é contagioso, é por isso que eles tentam manter vivos os medos das pessoas. O que eles não sabem é que a coragem também é contagiosa. É por isso que nós precisamos olhar nos olhos da vida e do mundo, e falar com coragem. Essas palavras pertencem a ninguém, mas sim a nós! Nunca devemos esquecer isso. 

Oito longos anos se passaram desde que Hrant Dink foi assassinado. Bebês nascem e aprendem a falar, a ler e escrever. O corpo sem vida de Hrant Dink continua caído nesta calçada, vítima de um assassinato, a verdadeira história não foi trazida à tona. Aqueles que deixam o mundo em desolação com sua perda, multiplica vida em sua memória e com o que nos confiaram … E nós, que estamos olhando sobre esse legado confiado estivemos reunidos aqui durante os últimos oito anos, para exprimir a nossa busca por justiça e verdade, para gritar que não vamos abandonar o corpo de Hrant às mãos cruéis do esquecimento.

Nós também queremos deixar claro que não vamos abandonar o assassinato Hrant Dink para os projetos de quem tenta instrumentalizar este assassinato por seus próprios projetos políticos. Muito foi dito e escrito durante estes oito anos, enquanto a justiça permaneceu congelada em seus passos. Pode ser que essas palavras ficaram enlatadas com o tempo, mas a dor não. As dores de uma justiça não executada continua a pulsar em nossos corações, elas continuam a torcer nossas consciências e de ferir nossas mentes. Ademais, com cada nova vítima cujos nomes são incontáveis ​​aqui, a cada nova morte, desde aquele dia, Hrant Dink é morto mais uma vez nesta calçada. Quando a justiça continua desfeita, ela multiplica os seus assassinos e suas vítimas. Isso é o que está a acontecendo mais uma vez. Pois mesmo que o dedo que aperta o  gatilho mude, a maior organização por trás do assassinato permanece a mesma. A verdade sinistra imutável deste país onde tantos assassinatos são classificados como “autor desconhecido”, mas cujos autores são “óbvios”, obriga-nos a proferir as mesmas palavras uma e outra vez. Mesmo que os governos e as máscaras das pessoas do poder mudem, nas mãos da déspota tradição imutável de Estado mantem-se a encenar o mesmo jogo obscuro toda vez. Aqueles que realizaram a carnificina Dersim em 1938 e o massacre de Maraşh em 1978, aqueles que instigaram os acontecimentos de 6 e 7 de setembro em 1955, aqueles que foram queimados vivos em buscam refúgio no Madimak Hotel em 1993, aqueles que bombardearam Roboski em 2011, são tudo a mesma coisa, e assim é a sua mentalidade. Aqueles que têm feito os corações dessas mães ajoelhadas nas calçadas de Galatasaray aos sábados por mais de 500 semanas, também são os mesmos. Nós estamos esperando por justiça em um país onde um partido político cujo o nome inclui a palavra “justiça” está no poder há doze anos. Mas a justiça não vem!

Amigos, pessoas neste país não querem apenas que seus amigos sejam como eles, mas também os seus inimigos. Eles querem que seus inimigos se pareçam com eles, para que possam reconhecer e saber quem e o que eles estão lutando contra. Aqueles que se assemelham reconhecem   raços, feridas, truques e ódios uns dos outros. O amor pode ser falsificado, mas não o ódio. Hrant Dink, no entanto, não se assemelham a eles. Para eles  falou em turco, em um armênio que era desconhecido para eles. Como alguém que acreditava firmemente na igualdade e fraternidade de todos os povos, ele falou na linguagem da paz. Não um tipo de linguagem da paz  com desejos vazios, mas com as palavras de um desejo de paz que ele esperava ser real, verdadeiro e duradouro … Em seu dicionário não incluem palavras cheias de sangue, ele falou  para não para reviver o ódio, mas para refrescar a memória. Ele pediu que as pessoas não alimentassem seu rancor, não buscassem  vingança, mas para que enfrentassem  seu passado, para seu presente e para si mesmos. Ele se opôs a todas as políticas que condenam turcos e armênios a agir como “inimigos eternos”, presos em uma espiral de ódio. Ele falava uma língua muito distante da deles que marca “o outro”, com palavras de exclusão, que demoniza e transforma  o “outro” em um inimigo. Para eles, a sua era uma língua estrangeira  deesconhecida, e que não querem saber ou aprender.  É por isso que em seus olhos Hrant Dink foi o “outro” com a sua armenidade, e um “estrangeiro” com a sua língua. O que eles queriam matar, junto com  Hrant Dink, foi precisamente esta linguagem. Eles nunca poderiam pôr-se a aceitar essa linguagem da paz, esta linguagem humanista convidando o mundo a fraternidade… A linguagem que precisamos, talvez, mais do que nunca hoje. 

Amigos, há uma longa lista de assassinatos, que pode ser datadas por todo o caminho de volta para antes da Segunda Constituição em 1908.  Assassinatos cometidos de forma organizada e premeditada contra os jornalistas, onde os assassinos gostaria de subir um novo nível a cada nova execução. Hrant Dink foi o 62 nesta longa lista se tornado vítima de um assassinato político. Na “Agenda  Oficial da História” do país, onde quase todas as páginas incluem um assassinato político, um massacre ou um assassinato em massa, seu destino foi marcado no dia 19 de Janeiro de 2007, fazendo-o a pessoa número 62 que pagou o preço de suas palavras e de sua consciência com a sua vida …  

É por isso que temos de contar a história de Hrant Dink, mais uma vez, para as novas gerações que cresceram nestes últimos oito anos, bem como para refrescar algumas lembranças embaçadas. Ele não era apenas um  porta-voz para o povo armênio, mas a voz de toda a Turquia. A voz de todos aqueles que são reprimidos, excluídos e explorados. Se ele estivesse com a gente hoje, ele teria estado em nossas fileiras da Resistência em  Gezi e ficado lado a lado com as pessoas mais desoladas, mais desamparadas do Oriente Médio, os Yezidis que foram massacrados 76 vezes ao longo da história. Como uma pessoa que se manteve fiel aos seus valores e à  si mesmo durante toda a sua vida, Hrant Dink mudou tantas coisas neste país com sua posição de reconciliação, mas intransigente. Até a sua morte nos ensinou muito. Ele falou o que ele achava que era certo e defendeu aquilo em que acreditava, sem tentar agradar ou ganhar o favor de qualquer grupo ou daqueles que exercem o poder. Sua luta, como a de tantos outros de sua espécie, não é para chegar a um impasse. A multidão reunida aqui e em todos os lugares são a prova disso.

Os povos desta parte do mundo abriram seu caminho através de um passado complexo, que não pode ser elucidada com análises simplistas ou avaliações desleixadas. Eles passaram por tantas histórias perdidas no labirinto da história. É por isso que Hrant Dink acreditava que havia uma necessidade de uma nova linguagem para resolver a questão armênia e uma nova atitude vai além do discurso estereotipado de ambos os lados. Ele acreditava que com o tempo os povos destas terras poderia resolver esta questão de forma pacífica por falar sobre isso em todos os seus aspectos, com o outro, conhecendo um ao outro, ao ouvir uma histórias uns dos outros, por entender uma sofrimentos dos outros, se aproximando e tocando um ao outro. Ele acreditava na necessidade de diálogo entre as memórias de ambas as comunidades. Ele esperava desta forma que a memória oficial finalmente fosse substituída  por uma memória civil. Ele acreditava que esta plataforma de diálogo, a ser elaborada pelos próprios povos, seria o instrumento para acabar com o grande trunfo da questão armênia, usada por forças imperiais nas esferas internacionais contra a Turquia. Por isso um dos sonhos de Hrant Dink era a abertura das fronteiras entre a Armênia e a Turquia para permitir os dois povos, fundirem-se. Amigos, devemos confessar, não só para a memória de nossos entes queridos, mas também para os seus sonhos. E se as fronteiras fossem abertas hoje, isso significaria abrir a porta para tantas outras coisas. A abertura da fronteira que vai espalhar o forte nevoeiro que espreita sobre o monte Ararat desde o século passado. A abertura da fronteira que seria no ano de 2015.

Amigos, como muitos de vocês sabem tão bem, por trás de cada negação nestas terras se encontram valas comuns, sejam elas cavadas há muito tempo ou recentemente. O oitavo ano do assassinato de Hrant Dink coincide, como você também sabe muito bem, com o centenário do genocídio armênio de 1915. A negação do genocídio armênio é o “100 anos de solidão” (em espanhol, “Cien Años de Soledad”, obra do escritor colombiano Gabriel García Márquez, Prêmio Nobel da Literatura em 1982) da Turquia. 

Sua solidão na história, nas memórias, nas mentes, nas consciências e no mundo. Os “100 anos de solidão” da  Turquia deve finalmente chegar ao fim. Este país tem que se acertar com sua história, sem temer os fantasmas do passado, reconhecer a sua responsabilidade pelo que aconteceu no passado e livrar-se do peso devastador desse legado escuro. Ele deve desejar fazê-lo não por causa da reprovação do mundo ou de buscar a aprovação dos outros, mas para seu próprio bem. Isto significa também para esta sociedade libertar-se de continuar a ser um espectador de tantos assassinatos cometidos no passado e até nossos dias. Nós sabemos bem que a luta é necessária não contra os povos, e não contra as nações, mas contra as mentalidades. Durante muito tempo, a polarização social está sistematicamente instigado neste país. A inimizade é alimentada e os governantes são os próprios provocadores de violência. Neste ambiente político, mais como uma zona de penumbra, a Turquia está quase sendo arrastada de volta passo a passo para o seu encontro com os Generals Enver Pasha e Talat Pasha. A pátria conclamada por eles como “indivisível de Edirne até Ardahan” foi e ainda está sendo feita em pedaços de Susurluk até Roboski.

É por isso que nós, que temos aumentado as nossas vozes para Hrant, pela justiça, não queremos mais uma caricatura de democracia, mas a própria democracia. Precisamos urgentemente exigir democracia e liberdade incondicional de expressão. Nós não queremos a democracia vergonhosa de truques obscurantistas encenadas por trás de portas fechadas, mas uma democracia da luz do dia. Queremos uma democracia que não faz concessões sobre o secularismo. Queremos viver em uma sociedade onde ninguém tem sede de sangue dos outros, onde podemos viver sem ser ou nos tornar vítimas. Nós queremos viver em um país onde as mulheres não são assassinadas, onde indivíduos e gays não sejam mortos, onde as crianças não são massacradas por balas do governo quase todos os dias. Queremos viver em paz, de fraternidade e solidariedade em uma sociedade onde todos os tipos de discriminação étnica, cultural, religiosa ou de gênero sejam mantidas à distância, onde ninguém interfira no estilo de vida, língua, religião, confissão, crenças ou não-crenças do outro, onde todos desfrutem de seus direitos como cidadãos iguais, em que os cidadãos tenham atingido a maturidade democrática. Queremos viver como pessoas que respeitam o direito à vida de todos e de cada ser vivo, das árvores, da água, dos parques, das matas e das florestas. Nós queremos viver nossas vidas com múltiplos idiomas, pessoas multicoloridas multiculturais. Estamos incondicionalmente em oposição a todas as formas de tutela e não queremos ter que fazer uma escolha entre as alças do 12 de março, do golpe de 12 de setembro, ou uma vingança moderada, um fanatismo vestindo gravata.

Se ficarmos aqui o dia todos dizendo “Somos todos Charlie” em defesa da liberdade de imprensa, fazemo-lo, ao contrário de alguns outros, com a consciência clara de que aqueles que tomaram as ruas em protesto quando o “Özgür Ülke” ( jornal País Livre) foi bombardeado em Istambul em 1994.

Amigos, com a morte de Hrant Dink este país não só perdeu um valorozo filho, ele também perdeu um de seus jornalistas eminentes. Numa altura em que o jornalismo está perdendo sua dignidade, em grande medida, a sua perda e a perda de outros jornalistas como ele é amargamente sentida. Isso por si só é motivo suficiente para que nós próprios apoiemos o quarto filho de Hrant Dink, no legado do  jornal “AGOS”.

Eu sinceramente desejo que as verdades pelas quais Hrant Dink e outros que como ele depuseram as suas vidas, em um futuro não muito distante, se tornam realidades comuns, sem falar da democracia à luz do dia batendo numa sociedade que vivem junta em paz!

Desejo também que a justiça venha em um futuro próximo, e que aqueles que irão remontar aqui nos próximos anos não façam-no em busca de  justiça e dos direitos que permanecem em espera, mas apenas em memória de Hrant e da lembrança dele.

Ao concluir minhas palavras eu gostaria de abraçar carinhosamente todos os membros da família Dink, e saúdo a todos, mais uma vez com grande afeto e respeito.”

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